30/08/2005

David Capistrano também entra no debate sobre a crise do PT

Sobre a ´diferença´ e outros prêts-à-porter *

Como um processo de americanização da vida partidária, alguns agrupamentos políticos se transformam em máquinas eleitorais

David Capistrano Filho

Com a aproximação de sua Convenção Nacional, dissemina-se no PT uma prática que há um bom tempo já vínhamos percebendo em alguns de seus "notáveis" no estado de São Paulo, e que não deixa de reproduzir uma tendência geral: a prática de um partido voltado exclusivamente para os embates eleitorais.

Essa tendência já havia sido detectada pela maioria dos delegados ao 8º Encontro Nacional do partido. Mas, apesar de as direções eleitas terem expressado a vontade partidária de barrá-la, não conseguiram contrapor-se aos ventos dominantes, soprados justamente por boa parte desses "notáveis". É uma luta difícil, mas não podemos nos furtar de colocar em discussão (aproveitando os debates preparatórios para os encontros estaduais e Nacional) os efeitos deletérios dessa prática e questionar a acomodação do partido a ela.

A transformação de agrupamentos políticos em máquinas eleitorais faz parte de um processo de americanização da vida partidária, que é hoje uma marca típica das democracias ocidentais, a brasileira inclusive. Quem acompanha minimamente a política norte-americana sabe o que isso significa em termos de esvaziamento do conteúdo programático dos partidos e como facilita o tráfico de influência, especialmente dos grandes grupos econômicos.

A rigor, a tendência a que nos referimos aqui não constitui um problema maior para os partidos de direita: sendo seu objetivo principal a defesa de interesses do conjunto ou de frações das classes dominantes no aparato estatal, sua organização exclusiva em torno da lógica eleitoral apenas reitera o fato de que a dominação (econômica, cultural, ideológica) daquelas classes na sociedade já é efetuada por outros meios, além dos políticos em sentido estrito. O embate eleitoral é a maneira "democrática" pela qual esses agrupamentos, ao disputarem entre si a preferência da massa dos eleitores, acabam disputando também (e principalmente) a preferência das elites econômicas.

Assim, a forma americanizada de se organizar politicamente não é um obstáculo para o crescimento de um partido, desde que não tenha em seu horizonte que alterar a dominação em vigor. O que não é o caso - supostamente - dos partidos de esquerda. Se entre seus objetivos está modificar a fundo o status quo, organizar-se apenas para a luta eleitoral conduz a terríveis dilemas.

Um dos dilemas mais evidentes é o seguinte: se assume claramente um discurso e uma prática de enfrentamento dos interesses das elites, seguramente vai se ver privado dos meios - os tais "fatores reais de poder" (dinheiro, mídia etc.) - que lhe permitiriam atingir pelo caminho mais curto a vitória eleitoral. Ou então esta fica inteiramente dependente de jogadas de sorte ou de hábeis articulações de bastidor para dividir o campo adversário. (Diga-se de passagem, durante as últimas eleições, a direção de nossa campanha presidencial bem que se esforçou nesse sentido. Faltou-lhe tanto habilidade quanto sorte ... )

Como a vitória eleitoral é, naturalmente, decisiva para a sobrevivência de partidos organizados para eleições, essa constatação trivial acaba gerando - mais dia, menos dia - a necessidade de atrair a simpatia dos fatores reais de poder. Eis a outra ponta do dilema: isso não é possível senão através de um sutil processo de mútua convergência de discursos e, no limite, de interesses.

Além disso, partidos que se organizam em função do sistema eleitoral podem até ser partidos com vocação para o governo, mas não para o poder. Agrupamentos de direita resignam-se em tornar-se governo e governar segundo uma lógica ditada de fora do governo - isto é, pelas instituições de reprodução do domínio capitalista. Contudo, partidos de esquerda que se deix