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Mensagem de Eugênio Bucci, Presidente da Radiobrás, transcrita do original em VHS gravada em função da impossibilidade de sua presença no evento.
Bom dia a todos.
Era para eu estar aí, hoje, com vocês. Recebi o convite do Sergio Gomes há algumas semanas, mas infelizmente não foi possível ir, e o próprio Sergio sugeriu que eu gravasse esse vídeo. É uma forma um tanto estranha, e para mim até perturbadora, de participar de um debate, mas vamos lá.
Eu devo, antes de tudo, saudar o professor José Coelho Sobrinho, meu professor, atual Chefe do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes, o Luis Marinho, que além de ser uma grande liderança no Brasil é também uma das lideranças que mais consciência tem da importância da comunicação em geral e da comunicação em particular em nosso país, e saudar o companheiro Sergio Serafini, da Itália, presente no debate de hoje.
O Sergio havia pedido que eu falasse sobre a situação da Radiobrás, basicamente como eu encontrei a Radiobrás e o que é que nós pretendemos implementar nessa empresa. Bem, eu devo dizer que jamais tinha pensado em aceitar um cargo público e os que me conhecem sabem que eu tinha uma resistência até para exercer uma função remunerada dentro de um partido político.
Eu sempre estive ao lado do Partido dos Trabalhadores e ajudei em vários projetos, mas sempre fiz isto como um trabalho voluntário, até o trabalho de editar a revista Teoria e Debate durante quatro anos, foi um trabalho voluntário. Eu imaginava que era uma atividade que acontecia no campo do meu exercício de cidadania e não no campo profissional.
Agora, convidado para assumir a presidência da Radiobrás, eu interrompi a minha atividade de colunista de jornais e revistas, e acabei interrompendo também a minha atividade didática. A primeira, a atividade de colunista, eu interrompi porque havia um notório conflito de interesses e a segunda, a atividade de professor, eu interrompi porque eu não conseguiria tempo para ir a São Paulo dar aula na Faculdade Cásper Líbero. É uma função, essa que eu assumi, de enorme responsabilidade e de muita abrangência.
Vocês sabem que a Radiobrás tem quatro emissoras de rádio em atividade: uma no Rio, AM; duas em Brasília, uma AM e uma FM; e uma Ondas Curtas que vai para a Amazônia. Nós temos também duas emissoras de TV: a NBR, nos canais a cabo, e a TV Nacional de Brasília, que é a TV Educativa do Distrito Federal.
Além disso, a empresa também tem um site de notícias, a Agência Brasil, que na verdade é uma agência de notícias governamentais e de interesse público que tem um grande número de acessos e coloca este site entre os grandes sites jornalísticos do Brasil. Suas notícias são citadas e reproduzidas em vários outros sites e publicações jornalísticas do País.
A situação em que eu encontrei a Radiobrás pode ser vista por dois ângulos. O ângulo que se refere a saúde da gestão da empresa e a regularidade das contas da empresa é bom, é uma situação superior a muitas outras áreas de governo.
A Radiobrás passou nos anos que nos antecederam por uma profissionalização da gestão da empresa que é algo que deve ser reconhecido e que, por dever, eu devo reconhecer. Do ponto de vista da concepção editorial da empresa e, embora ela tenha vivido modernização aí também, é importante lembrar que a Radiobrás passou por um processo de planejamento estratégico no ano de 98, 99 e a concepção de planejamento estratégico, vocês sabem, é uma concepção moderna, pouco usual na administração pública.
O planejamento estratégico se tornou uma ferramenta usada na administração pública mais a partir da década de 90. Embora a Radiobrás tenha passado por isso, a concepção editorial que a vinha orientando é uma concepção ainda próxima demais da idéia de divulgação e de propaganda de atos de governo. Nós estamos agora trabalhando, e aqui o "nós" não é um plural majestático, o "nós", de fato, designa uma equipe. Nós estamos trabalhando para fazer com que essa concepção editorial deixe progressivamente de se apoiar em necessidades de propaganda de governo e passe progressivamente a se apoiar no direito de informação do cidadão.
Nós existimos porque existe o direito a informação no Brasil e esse direito não é atendido na totalidade do território nacional pela mídia de mercado. Isso pode ser facilmente entendido. A mídia de mercado precisa trabalhar com financiamento que ela obtém legítima e democraticamente das verbas de anunciantes, e nos lugares onde não há mercado ou em que o público não é considerado consumidor potencial pelos grandes anunciantes, o que acontece é que a mídia não tem financiamento para fazer reportagem.
Nós precisamos lembrar que a mídia do mercado é financiada pelo anunciante e se o anunciante não encontra ou acha que não encontra perspectiva de retorno no público de determinada região, ele não investe, e o jornalismo é um artigo caro. Aliás, parece que no Brasil de hoje, reportagem é uma artigo de luxo, então aí o poder público tem que agir, isso é só um exemplo, em várias outras regiões, onde às vezes, existem emissoras de rádio, emissoras de televisão, também o jornalismo, artigo caro e artigo de luxo, muitas vezes não consegue atender devidamente o direito a informação.
De forma que uma empresa pública de comunicação, como a Radiobrás, deve comparecer a esses mercados e a esses setores da população, não como alguém que tenha a pretensão de competir com a mídia de mercado, mas como alguém que quer complementar, que quer ajudar a mídia de mercado e informar o cidadão. Nós pretendemos fazer com que o direito a informação oriente a nossa atividade. Isso no que se refere a informações sobre governo, a informações de Estado e a informações que se referem a vida em sociedade, a vida nacional e muitas vezes até a vida no mundo.
Quem acompanha a Radiobrás sabe da grande cobertura que nós realizamos no Fórum Mundial, sabe do esforço que nós temos realizado para trazer imagens da Guerra do Iraque. Tudo isso faz parte daquilo que nós acreditamos ser o nosso papel. Isso tem uma relação profunda com a concepção genuína, a concepção não deturpada das rádios comunitárias, que são rádios que procuram trabalhar a comunidade no melhor sentido democrático.
Se nós entendermos que a imprensa nada mais é do que um esforço de comunicação que emerge do público com destino ao mesmo público - ela nasce da liberdade de expressão e se volta para o direito a informação, ela é uma atividade política e cidadã por excelência - nós vamos concluir que as rádios comunitárias nada mais são do que a versão moderna e a versão localizada dessa vocação inicial da imprensa, de forma que é desejável que uma sociedade tenha na sua comunicação a opção das rádios comunitárias no seu conceito genuíno, não deturpado.
Eu vejo também, uma vez que a Radiobrás tenderá a trabalhar para o direito a informação, proximidades potenciais aí. As rádios comunitárias, no seu campo específico, a Radiobrás, uma empresa pública de comunicação, no seu campo específico, mas há conexões aí. Assim também como há conexões entre a Radiobrás e, por exemplo, o trabalho que realiza a BBC (nós, muitas vezes, usamos comunicados da BBC na nossa programação). Assim como há proximidade entre a Radiobrás e o Ministério das Comunicações da China com quem celebramos um convênio recentemente, há a possibilidade de cooperação com o movimento das rádios comunitárias e a Radiobrás, sem perda de identidade de ambos os lados e sem desvio das atribuições legais que cabem a Radiobrás.
É evidente que quando eu falo de rádios comunitárias, eu falo de rádios devidamente estabelecidas dentro dos padrões legais vigentes. Enfim, eu não sei se isso atende a reivindicação e a encomenda que me fez o Sergio, mas é nessa linha que a gente quer ir. A gente também, e eu volto a lembrar, eu não estou usando aqui o "nós" majestático, eu estou falando de mim, do nosso diretor de jornalismo que é o Gustavo Krieger, do nosso comandante de planejamento que é o Henry Kobata, do nosso diretor administrativo que é o Pedro Frazão, do nosso chefe de gabinete que é o Paulo André, que tem uma vasta experiência em televisão e também no Itamarati, é um diplomata de carreira, nos ajuda muito na área internacional. Eu estou falando de Carlos Knapp, um publicitário super-experiente, que faz parte da nossa equipe, veio para a Radiobrás para cuidar exatamente da área de publicidade legal e é uma pessoa extremamente criativa e de uma formação sólida, então nós temos, de fato, uma equipe de experiências diferentes, mas que se unifica com muita firmeza quando nós estamos falando em direito a informação.
Na nossa linha de trabalho a valorização da equipe e dos profissionais é um ponto-chave. Nós queremos construir um ambiente de respeito pelas pessoas, um ambiente que fortaleça a auto-estima de cada um dos profissionais que trabalham na Radiobrás. Toda a nossa equipe de comando acredita que um projeto é bem realizado quando ele incorpora os profissionais como autores dele mesmo. Então, nós não vamos baixar pacotes na Radiobrás, o nosso planejamento é feito com o engajamento de vários dos profissionais que aqui estão.
Durante os quase três meses que estou aqui, tenho encontrado todos os dias um profissional de talento na Radiobrás e é impressionante o que essa empresa reúne de história, de sabedoria e de experiência. Então, com tudo isso, eu estou bastante otimista com relação ao que nós podemos fazer aqui.
Nós estamos vivendo um governo que se apóia muito mais no diálogo e muito mais na participação da sociedade do que na concordância e na obediência, e isso muda a natureza da comunicação que a gente precisa fazer na Radiobrás. A Radiobrás, como muitas instituições no Brasil, tem uma passagem e muitas vezes, em algumas de suas áreas, tem uma origem marcada pelo autoritarismo, pela idéia de Segurança Nacional.
Quando nós aprofundamos o processo democrático, nós falamos de um outro padrão de comunicação. Um padrão que quer contemplar diversidades, identidades múltiplas, culturas simultâneas. Nós não queremos unificar e pôr tudo debaixo de um único guarda-chuva, não queremos fazer do Brasil uma coisa uniforme, nós queremos o contrário: fazer com que as divergências, as diferenças, a riqueza do Brasil se manifeste na comunicação pública.
Então, isso exige uma nova concepção. Nós vamos aprofundar essa linha que eu tentei aqui precariamente explicar e eu quero acreditar que vai dar certo. A aposta pessoal que eu estou fazendo é uma aposta radical, uma aposta pesada. Muitos integrantes desse governo fazem a mesma aposta e eu acho que o Brasil pode viver, como em alguns episódios tem vivido, momentos promissores e momentos que nos fazem acreditar muito mais neste país.
Me perdoem o tom às vezes piegas, mas é o que a gente tem vivido por aqui, por esses dias.
Um abraço a todos.
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