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02/02/2009
Fonte: Folha de S. Paulo, 30/01/2009
Com o passar do tempo, percebe-se como os eventos de uma grande crise podem potencializar o surgimento de novas correntes de pensamento e ação. Dadas a manifestação inicial e a reação imediata por parte dos governos de diferentes países, a crise atual do capital globalizado já implica significativa mudança de paradigma.
Nas últimas duas décadas, o paradigma dominante era o das mudanças, que se expressou na reforma do Estado, com a privatização e a focalização do gasto social, na financeirização da riqueza, na desregulação dos mercados (financeiro, de bens e trabalho), entre outros. Isso provocou um enorme desbalanceamento na relação entre o Estado e o mercado, com extrema valorização do último.
Em vez da preocupação fundamental com resultados que melhorassem a condição de vida e trabalho do conjunto da sociedade, prevaleceu o enfoque centrado na eficiência competitiva do mercado diante do Estado, permeado por visões vazias de indicadores e instrumental operacional insensíveis ao sofrimento humano.
Com a redução do Estado, as finanças passaram a funcionar como se fossem um fim em si mesmas, fazendo crer que a riqueza poderia ser criada sem passar pela economia real.
Se considerado só os primeiros momentos da crise atual, percebe-se como está em curso uma profunda mudança de paradigma, diferente do anterior paradigma de mudanças.
Isso pode ser identificado, por exemplo, nas políticas anticrise atuais que ocorrem sem a interferência das Nações Unidas, sobretudo do FMI e do Banco Mundial. Antes, dificilmente alguma experiência de enfrentamento de crise ocorria sem a presença de agências multilaterais.
Mesmo que se constate a presença do G-20 nas tentativas de organização da convergência de ações anticrise, não caberiam dúvidas a respeito da urgência de novas bases institucionais para a governança global. O reposicionamento dos principais atores (Estado, sociedade e mercado) precisa ser restabelecido nestes novos tempos de mudança de paradigma.
Também em relação ao conjunto de políticas econômicas e sociais em curso para enfrentar a crise, registra-se o perfil muito distante do adotado em períodos anteriores de grave turbulência econômica.
Nas crises dos anos 1980, por exemplo, a orientação predominante era a dos ajustes na contenção da demanda interna (corte de emprego e salários) para forçar o surgimento artificial de excedente exportador, só adequado às exigências de pagamento dos serviços financeiros da dívida externa.
Durante a década de 1990, as crises foram respondidas por reformas liberalizantes que geraram a ilusão de que o menos (direitos, renda e ocupação) não significaria, em consequência, o mais (pobreza, desemprego e precarização).
Nos dias de hoje, percebe-se a manifestação de certa confluência espontânea em torno da adoção de políticas anticrise que procuram defender e promover a produção e o emprego em praticamente todos os países.
Por fim, cabe ainda chamar a atenção para o fato de que, ao contrário do anterior paradigma de mudanças, que exigia o afastamento do Estado para o pleno e efetivo funcionamento dos mercados, prevalece a atual força da realidade. Ou seja, a forte pressão das próprias forças de mercado para que o Estado avance mais e de forma rápida.
Destaca-se que, no cenário de mudança de paradigma, o Estado forte torna-se plenamente compatível com o vigor do mercado, colocando em desuso a máxima do pensamento neoliberal de que menos Estado representaria mais mercado e vice-versa. No caso dos EUA, por exemplo, o déficit fiscal esperado para 2009 pode alcançar 8% do PIB, somente comparável à experiência da década de 1940.
Resta saber, contudo, se a atual mudança de paradigma, que aponta para o redescobrimento do Estado, atende prioritariamente às exigências de ricos e poderosos interessados na socialização dos prejuízos impostos pela crise. Ou se, por outro lado, inaugura, de fato, um novo padrão civilizatório, em que a reorganização do Estado em novas bases permitirá um balanço mais saudável com a sociedade e o mercado.
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