|
14/06/2006
Adib Jatene, conceituado médico, pesquisador e professor, ministrou uma aula magna aos participantes do Projeto Repórter do Futuro no último sábado, dia 10/06/06, quando também participou de uma manhã de autógrafos de seu mais recente livro Medicina, Saúde e Sociedade (Ed Atheneu) na sede da OBORÉ.
Entre outros temas, o especialista traçou um panorama da situação da saúde no Brasil, contextualizando a evolução do sistema de saúde pública nacional. Para Jatene, é fundamental compreendermos que "o futuro da saúde não é uma abstração, mas sim resultado do que fazemos no passado e das decisões do presente".
|
Aula magna do professor Adib Jatene | Na década de 30, por exemplo, o sistema de saúde era fragmentado: "Havia quem podia pagar por seu tratamento e quem não podia, que era encaminhado às Santas Casas. Naquele momento, os recursos de diagnóstico eram limitados e a população era majoritariamente rural", lembrou.
Com a era Getúlio Vargas, se consolidaram as instituições de previdência e assistência social, e como não havia muitos aposetados, já que o sistema ainda estava começando, existia uma massa de recursos, direcionados à saúde.
Já nos anos 50, a lógica se inverteu - com a política de substituição das importações de JK, o país viveu um surto industrial. As grandes cidades, dessa maneira, funcionaram como pólos atrativos para uma massa de trabalhadores que antes estavam restritos ao campo: "Essa urbanização extraordinariamente rápida não foi acompanhada pela infra-estrutura que a população necessita, como saneamento, água e saúde", avaliou o professor.
Para Jatene, cometeu-se um grande engano nesse processo: "Nós criamos as grandes comunidades periféricas, mas com um equívoco: nós fizemos um grande apartheid social. Colocamos uma massa imensa de gente morando em locais onde os profissionais que elas necessitam não aceitam morar", revelou.
|
Adib Jatene e Sérgio Gomes , da Oboré(dir). | Paralelamente a essa questão, a Previdência Social, que antes era setorizada por profissão, não conseguia mais atender com a mesma velocidade que seus órgãos mantenedores gostariam. E então alguns grupos de atendimento pré-pagos começaram a se estabelecer. "Isso deu origem, na década de 60, aos grupos de pré-pagamento que, por sua vez, deram origem aos grupos de assistência suplementar". Com a ditadura, os institutos de previdência foram unificados: "mexeu-se exatamente no que o fazia funcionar", avaliou Jatene.
Foi apenas com a Constituição de 88 que esse quadro sofreu uma mudança significativa: estabeleceu-se o princípio do atendimento universal e o sistema público deveria atender, indiscriminadamente, a todos.
Enquanto isso, o sistema suplementar de saúde se desenvolveu brutalmente: "Os hospitais privados detém toda a tecnologia e recebem de 5 a 6 vezes mais que os hospitais que trabalham com o SUS", comparou. Entretanto, o médico lembrou que "as pessoas não se dão conta de que esse sistema também é financiado pelo poder público. A única despeza que é descontada integralmente no imposto de renda é a despesa com saúde. Então esse maniqueísmo público e privado é equivocado".
A idéia de que o SUS não funciona também é outro engano que, para o professor, não podemos aceitar: "O SUS financia 1 milhão de internações, 80% dos transplantes do país, desenvolveu um modelo de tratamento da AIDS que é referência em todo mundo, um modelo de vacinação que erradicou a pólio, entre outros feitos. Nós evoluímos. Acontece que a imprensa dá grande ênfase às deficiências", reiterou.
Os investimentos em saúde, que comprometem fortemente os orçamentos, também foram
|
Manoel Carlos Chaparro (Oboré, à esq.), Adib Jatene e Sérgio Gomes | tratados pelo professor: "Por isso que os governos não dão ênfase à saúde. Após o término da construção de um hospital, passa-se a gastar entre duas e três vezes a mais que o custo da obra. Não há disponibilidade de recursos e depender de recurso público é muito complicado, porque os governantes querem obras de visibilidade. Mas hospitais, depois de inaugurados, consomem ainda mais recursos, o que não tem visibilidade", analisou.
Para Jatene, a discussão em torno do tema da saúde pública fica restrita, por vezes, entre os que defendem o modelo de medicina social e preventiva e aqueles que advogam a medicina curativa: "Esse maniqueísmo é um equívoco. O problema é que o sistema da saúde não tem recursos".
Em 1989, de acordo com o professor, a saúde gastava 11,5 bilhões de dólares; em 1993 gastava 6,5 bi de dólares.
Na cidade de São Paulo, essa situação não é diferente. Em 1980, segundo o professor, havia 3,4 leitos/mil habitantes. Em 2006, existem 2,8 leitos/mil habitantes. A distribuição desses leitos também é desigual: "Há 170 hospitais em 11 distritos da cidade, que têm na média 26 leitos/mil habitantes e é onde vive a população com melhores condições financeiras", revelou Jatene. Por outro lado, segundo o mesmo estudo, há 39 distritos onde moram 4 milhões e 100 mil habitantes que não dispõe de nenhum leito onde vivem.
Jatene também falou aos participantes sobre sua carreira: "Eu resolvi estudar medicina para voltar para o Acre. Em 1951 entrei no grupo do prof. Zerbini e no fim eu acabei virando cirurgião cardíaco. O que mudou minha trajetória foi ter trabalhado com o Dr. Zerbini".
Aos estudantes, Jatene deu dicas preciosas: "Eu sempre falo que é mais importante gostar do que se faz que fazer o que se gosta. Assim é possível você se dedicar, trabalhar com a verdade e seriedade". Alertou também "que o sucesso não se mede pelo patrimônio alcançado, nem pela posição social. Só há uma coisa que significa sucesso: é o reconhecimento dos seus colegas de profissão. E isso só se expressa quando conquistamos o respeito. Os cargos não dão poder, mas é a postura no exercício do cargo, o comprometimento ético. De modo que,quando participo de projetos desse tipo, saio com a esperança renovada, de que nós estamos caminhando para criar uma sociedade mais justa e mais fraterna. Com a comunicação vocês têm a capacidade de mobilizar e informar. Eu desejo que vocês conquistem respeito dos colegas de profissão e, com isso, conquistem o sucesso".
A aula magna do professor Adib Jatene faz parte do módulo "Descobrir São Paulo, Descobrir-se Repórter", que prossegue até o dia 01 de julho. No dia 24 de junho, o jornalista Caco Barcellos será o convidado para falar sobre o making-off da série Profissão Repórter, exibida pelo programa Fantástico (Rede Globo). O encerramento do módulo contará com a presença de Jorge da Cunha Lima, presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta.
As atividades do Repórter do Futuro acontecem na OBORÉ, espaço Aloysio Biondi - Rua Rego Freitas, 454 - 8º andar, das 10 às 13h. Mais informações: reporterdofuturo@obore.com |
|