05/06/2006
Gilberto Gil em debate sobre TV Digital
José Reinaldo Marques
O Ministro da Cultura, Gilberto Gil, virá ao Rio nesta segunda-feira, dia 5, para participar do debate sobre a implantação da TV digital no Brasil criado pelo Decreto 4.901, de março de 2003, que será promovido pela ABI e terá a participação de outras entidades que lutam pela democratização da comunicação no País.
Aberto ao público, o evento acontecerá às 16h30, no Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar do edifício-sede da ABI (Rua Araújo Porto Alegre, 71 - Centro), e está sendo aguardado com muita expectativa por diversos setores da sociedade civil que têm acompanhado as audiências públicas sobre o assunto.
A Mesa será presidida por Maurício Azêdo, Presidente da ABI, e terá como debatedores Audálio Dantas, Vice-presidente da instituição (e mediador); Gustavo Gindre, Presidente do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs); Sérgio Gomes da Silva, Presidente da Oboré (agência de projetos de comunicação); e Evandro Guimarães, representante da Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert). A Deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que tem tratado do tema na Câmara, fará breve explanação sobre o assunto.
Interesse público
Audálio Dantas, jornalista
O convite ao Ministro Gilberto Gil foi feito pelo Vice-presidente da ABI, Audálio Dantas, que defendeu a realização do debate, afirmando que esta é uma iniciativa que vem sendo solicitada por amplos setores da sociedade: — Há uma corrida de lobbies para a adoção, pelo Governo Federal, do sistema de TV digital a ser implantado no País. Na pressa, foi anunciado mais de uma vez que o Governo já tem como decidida a implantação do sistema japonês (ISDB), o que não é verdade.
Audálio defende que, como reclamam várias entidades representativas da sociedade civil, a questão da tecnologia precisa ser mais debatida: — O interesse público está acima do sistema tecnológico que venha a ser adotado. A esse debate, a ABI, entidade histórica de defesa da liberdade de expressão, não pode faltar.
Para o Vice-presidente da instituição, a discussão sobre a implantação do sistema de televisão digital é, na verdade, a continuação de lutas por políticas democráticas de comunicação, iniciadas ainda durante a ditadura militar: — A ABI tem compromisso com essas lutas. É nesse sentido que deverá abrir suas portas para a discussão do tema TV Digital. Gilberto Gil e Orlando Senna O que e para quem
Na edição dominical da Folha de S. Paulo em 2 de abril, o Ministro Gilberto Gil, juntamente com o cineasta e escritor Orlando Senna (Presidente da Ancine), assinou um artigo em que diz que o mais importante para a sociedade brasileira “é o que a televisão digital vai mostrar e para quem”. Para ele e Senna, o principal interesse é esclarecer se a nova tecnologia vai permitir “maiores opções de escolha de programas gratuitos, se a diversidade cultural do Brasil e do mundo estarão acessíveis em todos os lares e escolas e se toda a população, ou que percentual dela, terá acesso à nova maravilha da comunicação”. Para o Ministro, as discussões que vêm sendo travadas através da mídia não deveriam se restringir ao padrão de transmissão e recepção de sinais de TV (o brasileiro, o japonês, o europeu ou o norte-americano), “o que retira do foco as principais questões envolvidas na implantação do sistema”. O debate, diz ele, deveria ir mais além, enfatizando questões como “a estruturação de uma política industrial calcada na microeletrônica, na incorporação de tecnologia brasileira, na otimização do uso do espectro de radiofreqüências e na construção de uma política para a produção e a difusão de conteúdos audiovisuais nacionais”.
Gustavo Gindre, do Indecs Na opinião do Presidente do Indecs, Gustavo Gindre, o Governo tem ainda outras questões importantes a tratar, como esclarecer à população o que fará com as tecnologias desenvolvidas no interior do sistema de TV digital com financiamento público: — Depois de terem sido gastos cerca de R$ 30 milhões com pesquisas, vamos simplesmente desprezar os middlewares desenvolvidos pela PUC-Rio e a Universidade Federal de Pernambuco? O que será feito com a modulação criada pela PUC-RS e uma série de outros avanços conseguidos por dezenas de universidades e centros de pesquisa do País?
Ele destaca a afirmação do Governo de que o Brasil terá representação nos comitês que dirigem o sistema japonês (ISDB), mas diz que ele não se posiciona sobre “o poder de fato” que o País terá nesses comitês, nem de que maneira o desenvolvimento da tecnologia japonesa nos beneficiará no futuro: — Nada disso consta no acordo preliminar firmado entre o Brasil e o Japão para transferência de tecnologia, e nem temos recebido respostas satisfatórias das autoridades envolvidas com a negociação. Por isso, cabe à sociedade civil brasileira esclarecer a opinião pública e cobrar essas definições. Evandro Guimarães Evandro Guimarães, Vice-Presidente de Relações Institucionais das Organizações Globo e membro da Abert, acha que há dois aspectos importantíssimos na digitalização do sistema de radiodifusão brasileiro que devem ser ressaltados nos debates sobre o assunto: — Trata-se dos benefícios à população brasileira, que é um público que adora televisão. A primeira consideração é que a adoção do sistema digital permitirá, a baixíssimo custo, melhorar a recepção de áudio e vídeo de todas as pessoas que têm um aparelho de TV. Outra questão que merece atenção é que isso implicará não só na melhoria da qualidade do sinal de recepção da televisão, como também no aumento da programação gratuita educativa, das TVs institucionais (TV Câmara, TV Senado etc.) e dos canais de educação à distância.
Adiamento
Devido às pressões que vem sofrendo de diversos setores, o Governo teve que recuar e adiar a decisão sobre o padrão tecnológico que será adotado para a digitalização das comunicações no País. Em março do ano passado, foi assinado entre Brasil e Japão um Memorando de Entendimento (MoU) que prevê a adoção do padrão de modulação japonês (ISDB) na televisão digital brasileira.
Hélio Costa, das Comunicações O Ministro das Comunicações, Hélio Costa, tem-se manifestado a favor do padrão japonês e deu o caso por encerrado. Mas o descontentamento generalizado em torno do assunto fez o Governo postergar duas vezes a data-limite para a decisão sobre o padrão tecnológico de digitalização e até o último prazo (10 de março) foi ignorado.
Gustavo Gindre diz que o acordo firmado entre os dois países poderia ser questionado judicialmente: — Ele desrespeita o Decreto 4.901, pois a criação do Sistema Brasileito de Tv Digital (SBTVD) prevê, em um de seus artigos, “estimular a pesquisa e o desenvolvimento e propiciar a expansão de tecnologias brasileiras”.
Referindo-se ao sistema Sorcer, desenvolvido pela PUC-RS, o Presidente do Indecs ele diz: — A adoção de uma tecnologia estrangeira quando existe similar nacional não apenas desestimula a produção de ciência e tecnologia brasileiras, como compromete o esforço por uma política industrial autônoma e desenvolvimentista.
Outro problema apontado por Gindre é a dissolução do Comitê Consultivo que, de acordo com o Decreto 4.901, “tem por finalidade propor as ações e as diretrizes fundamentais” relativas ao sistema a ser implantado no Brasil: — Ele foi desfeito pelo Governo sem que as atuais decisões tivessem sido discutidas por seus representantes. Logo, o Comitê viu-se impedido de propor ações e diretrizes.
Além disso, abriu-se um precedente que contraria o decreto governamental que prevê a composição do SBTVD em três instâncias: o Grupo Gestor, o Comitê de Desenvolvimento e o Comitê Consultivo. O ex-Ministro das Comunicações Eunício Oliveira era a favor de que o Brasil desenvolvesse uma tecnologia própria para digitalização das comunicações que tivesse como diferencial a inclusão social e apoiou a criação do Comitê Consultivo, cuja primeira reunião aconteceu no dia 17 de agosto de 2004, em Brasília. Os dois primeiros grupos do SBTVD são integrados por dez Ministérios, com a participação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI). O Comitê Consultivo foi criado com 23 integrantes, representando empresas de rádio e TV e fabricantes de equipamentos e trabalhadores dessas mídias e de telecomunicações, cinema e informática.
Audiências
Em todo o País cresce o número de audiências públicas em torno da questão da implantação da TV digital. Esta semana no Rio de Janeiro, numa dessas audiências — na sede do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) —, foi defendida a necessidade de se reformular a legislação brasileira sobre radiodifusão, com a criação de um marco regulador. Sérgio Gomes, da Oboré Sérgio Gomes da Silva, especialista em comunicação popular, acha que as audiências públicas têm o mérito de forçar a mídia, mesmo que timidamente, a tratar do conteúdo das discussões sobre a digitalização: — Elas têm ajudado a organizar as idéias sobre o momento especial para a vida do País, que deverá tomar uma decisão sobre o seu sistema de radiodifusão, cujo impacto é de muitas décadas à frente. Desejo expressar o meu elogio à ABI pela iniciativa de promover um debate em que vai ser possível discutir a digitalização do sistema de rádio e televisão.
Os analistas que participaram da audiência no Crea disseram que o decreto que instituiu a TV digital no País é amplo e precisa ser regulamentado. Além disso, a sanção imposta pelo Ministro Hélio Costa ao Comitê Consultivo, criado para apresentar um estudo sobre o SBTVD, paralisou também as pesquisas sobre padrão tecnológico que vinham sendo desenvolvidas em universidades brasileiras.
Todos os trabalhos apresentados até o momento por pesquisadores e cientistas nacionais demonstraram a capacidade de se desenvolver no País um padrão próprio de TV digital. Especialistas consideraram inovador o estudo sobre o SBTVD coordenado pela Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), apesar de seus poucos recursos financeiros e tempo para apresentá-lo.
O esforço de produção dos técnicos brasileiros garantiu um resultado importante: as universidades brasileiras já provaram que o País pode adotar uma política industrial que não seja baseada apenas na transferência de tecnologia, com todas as peças vindo de fora para serem montadas no País, como ocorre na indústria automobilística. |