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  Fumaça, taco solto e porta-treco

  31/01/2006

Claudio Tognolli

Há uma técnica muito antiga dos arapongas da inteligência, agora chamados "carcarás", que é aquela ora a impedir o governo de divulgar tudo o que havia nos arquivos do extinto Serviço Nacional de Informações, agora repassado para a Agência Brasileira de Inteligência, a Abin. Trata-se de misturar fatos reais com ficção. Você pega provas reais, incontestáveis, e as mescla com a lúgubre obscuridade da ficção. Logo, logo, urubu vira meu loro. É tão somente por isso que o governo não escancara o baú da inteligência: uma gaze transparente e radiante, uma névoa de ficção, cobre tudo ou quase tudo que a inteligência brasileira produziu. E chamar os serviços de inteligência do Brasil com esse nome é uma contradição em termos.

Pois bem: sacripantas de plantão já adotaram isso no começo deste ano de Copa, Eleições e Mentiras. Rolam por aí, no mercado de jornalismo e da política, dossiês que resgatam dados de investigações sérias e os misturam com mentiras desordenadamente profusas. Você lê essas coisas e uma voz lá dentro te diz: "Deus do céu, não pode ser que essa pessoa fazia isso, este documento é falso!". Em seguida, jogam ali nas mal traçadas algo que sabemos ser verdade. Brota então aquela sensação deliciosa de ter encontrado algo inegavelmente real. Pronto: um dossiê forjado vira fonte de verdades. Gente confiável se torna imediatamente inescusável.

Promotores, delegados e procuradores da República já se tocaram disso: e cunharam um termo: "vender fumaça". É isso aí: vender fumaça vai ser o barato do ano eleitoral. Aliás: já está sendo. Mas poucos leitores se tocaram que o antigo peso exercido pelas empreiteiras sobre a imprensa, sobretudo a partir do Milagre Brasileiro dos anos 70, agora teve uma troca de atores. Quem manda, nos dias que correm, são as empresas de telefonia, de resto as maiores anunciantes da mídia. Já se foram os dias em que a imprensa era comandada pelas empreiteiras. Estamos na era do hairdresser: é grampo pra lá e grampo pra cá.

Uma figura de causar nojo anda rondando as redações nesse ano eleitoral: alguns os chamam de tacos soltos, e outros preferem chamá-los de porta-treco. Sempre trazem dossiês com todos esses vícios, de misturar mentira com verdade. Outro dia um amigo perguntou a um porta-treco se ele não temia ser visto entrando daquele jeito numa redação para atacar seu concorrente. Sabe o que ele respondeu? "Meu filho, saiba que chumbo trocado não dói e tem mais: quem paga a banda escolhe a música, meu filho".

Parece que essa coisa do porta-treco virou mania nacional. Todo mundo aderiu à calcinha do blá-blá-blá inconseqüente. Na semana passada, dia 23 de janeiro, lemos no jornal “O Globo” que “a informação chegou aos cadernos de cultura do Ceará e foi ali reproduzida. Um célebre e renomado artista japonês, Souzousareta Geijutsuka, viria ao país pela quarta vez para abrir, no dia 10 deste mês, sua exposição ‘Geijitsu kakuu’, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Fortaleza. No dia seguinte à divulgação do evento pela imprensa local, veio a revelação: Souzousareta não existia. Era tudo uma invenção de um artista de 23 anos, Yuri Firmeza, que quis criar um trabalho justamente sobre os critérios para o reconhecimento da arte nos dias de hoje”.

Yuri disse que quis "questionar o papel do museu, da formação de artes visuais e da imprensa. O artista que criei é a própria obra, e o suporte do trabalho foi o jornal". Para ele, "há um certo deslumbramento com o que vem de fora no Brasil todo, não só no Ceará. A mídia insistiu em publicar a matéria, mesmo com dificuldades de achar informações. Foi uma ingenuidade, ou mesmo uma falta de conhecimento de arte contemporânea. Depois houve uma tentativa de jogar o erro para o outro, enquanto o grande erro foi da própria mídia".

O ato de Yuri tem um precedente bem bizarro. Em 1996 uma das maiores publicações de textos culturais, a “Social Text”, publicou um artigo intitulado “Transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica transformativa da gravitação quântica”. O autor, Alan Sokal, logo depois revelou que aquilo era uma paródia, um pastiche, misturando, como uma colcha de retalhos, um patchwork, todo tipo de bobagem que encontrou pela frente. Esse golpe acabou virando o livro “Imposturas Intelectuais”, editado em português pela Record.
 
Tudo isso mais essa figurinha absconsa que anda visitando redações com dossiês nos faz crer que 2006 será o ano do porta-treco. E tem gente ganhando fortunas para ser porta-treco e taco solto: nunca vender fumaça custou tão caro.

Claudio Tognolli é jornalista, repórter especial da Rádio Jovem Pan e diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo - ABRAJI

 
 
 
   
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