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  Uma frente contra as rádios comunitárias

  14/12/2005

Leia, a seguir, artigo do professor Venício A. de Lima (UnB), divulgado no Observatório da Imprensa, sobre a criação da Frente Parlamentar da Radiodifusão (FPR) e o teor do seu manifesto de criação, frontalmente contra a radiodifusão comunitária.


Uma frente contra as rádios comunitárias


Durante o 23º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, promovido pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e realizado em Brasília, em maio passado, o deputado federal Ivan Ranzolin (PFL-SC) - também sócio da Rádio Araucária OM, de Lages (SC) - lançou a idéia da criação de uma Frente Parlamentar da Radiodifusão (FPR). A proposta logo recebeu o apoio dos participantes do congresso e de mais de 60 deputados federais, inclusive do então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE).

Sete meses depois, na quarta-feira (7/12), a FPR, subscrita por 136 parlamentares, foi lançada na Câmara dos Deputados em solenidade que contou com a presença do secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, de um assessor da Presidência da Anatel e, inclusive, do presidente da Casa, Aldo Rebelo (PCdoB-SP). 

O Manifesto de Criação da FPR expressa como seus objetivos alguns princípios e normas que estão consagrados no texto de nossa Constituição, quais sejam:
** defender a livre manifestação do pensamento; da criação; da expressão e a informação jornalística sob qualquer forma de veículo de comunicação social.
** Vedar qualquer tipo de censura de natureza política, ideológica e artística;
** Trabalhar para que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atendam aos princípios de finalidade educativa, artística, cultural e informativa.
** Promover a cultura nacional e regional, com estímulo à produção independente que objetive sua divulgação.
** Apoiar a regionalização da produção cultural, artística e jornalista, com respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família".
A verdadeira posição da FPR, no entanto, só emerge quando se lê quais são considerados os problemas da radiodifusão brasileira e qual é o seu diagnóstico sobre eles. A pretexto de evitar...
"...um congestionamento do espectro e a distribuição dos serviços de radiodifusão em localidades de médio e grande porte, e o fato de pequenas localidades do Brasil, em número bastante expressivo, não terem oportunidade de ser contemplada [sic] com esse serviço; recebendo sinais provenientes de emissoras de outras localidades, tendo que conviver com usos, costumes e o regionalismo advindo dessas localidades..."
..e de...
"...proteger principalmente as localidades de faixa de fronteira, em defesa do território Nacional, da língua Portuguesa adotada no Brasil, bem como, [sic] dos usos e costumes dessas localidades e Nacional..."
..o que se segue é um verdadeiro libelo contra as rádios comunitárias.
"Critérios" de habilitação
Em primeiro lugar, recomenda-se o aumento da repressão às rádios não-autorizadas - chamadas de clandestinas e piratas. Diz o documento da FPR:
"É preciso criar formas de responsabilizar solidariamente pessoas e/ou entidades que direta ou indiretamente facilitem a prática de crime de telecomunicações, pela execução de serviço de radiodifusão, sem o necessário ato de outorga ou autorização obtido do poder concedente. Como uma das medidas, propomos que a venda de equipamentos transmissores para os serviços de radiodifusão, incluindo-se ai [sic] a RADCOM [sic], só possa ser efetivada a entidades jurídicas que tenham obtido autorização prévia do Ministério das Comunicações".
Em segundo lugar, o documento da FPR afirma que "mais de 50% das RADCOM" comercializam propaganda e que "quase a totalidade das emissoras de RADCOM" recebem patrocínio de estabelecimentos situados fora da comunidade atendida. Em função disso, a FPR "requer" [sic]...
"...que os atos que autorizam a execução do serviço de RADCOM, [sic] tragam a notação expressa de que o serviço é autorizado com a finalidade de atendimento de uma área restrita, de um determinado bairro vila ou localidade de pequeno porte".
Além disso, propõe a intensificação - pelo Ministério das Comunicações e pela Anatel - da fiscalização das rádios comunitárias e que...
"...seja colocada em prática uma graduação para aplicação das penas, como forma de evitar a reincidência e a prática contumaz de infrações recorrentes. Primária: advertência ou multa. Reincidente: multa maior ou interrupção do funcionamento por um período. Nova reincidência: interrupção do funcionamento por um período maior. Se persistir na prática: cassação do ato de outorga".

E, em terceiro lugar, a FPR propõe um conjunto de "critérios" para abertura de novos editais de habilitação para rádios comunitárias:

1. que não sejam abertos em localidade de pequeno porte aonde existam pequenas emissoras de rádio comerciais, principalmente se for de Ondas Médias.
2. que não sejam abertos em bairros centrais de cidades não consideradas de pequeno porte ou em bairros ou vilas, aonde se encontre instalada emissora de radiodifusão comercial.
3. que não sejam abertos em localidades de grande concentração de serviços de radiodifusão.
4. que seja proposto um único canal para cada cidade no mesmo Edital; e
5. que não sejam concedidas a entidades e/ou administradores, que tenham comprovadamente seus nomes envolvidos em processos pela prática de crimes de telecomunicações, devido à execução de serviços de radiodifusão sem que tenham obtido autorização ou outorga do poder concedente. 

Conflito de interesses

As sugestões que a FPR apresenta para a radiodifusão comunitária brasileira são tão eloqüentes que falam por si mesmas. Não há qualquer preocupação em disfarçar o viés antidemocrático das propostas. Resta saber quem são os deputados que, ao subscrever o manifesto de criação da Frente Parlamentar da Radiodifusão, implicitamente também a ele declaram seu apoio. 

Dos 136 deputados que subscreveram o manifesto [ver abaixo a relação completa], pelo menos 19 (dezenove) são concessionários de radiodifusão (conforme cadastro Ministério das Comunicações postado 5/8/05):

BONIFÁCIO DE ANDRADA (PSDB-MG)
CLEUBER CARNEIRO (PTB-MG)
GONZAGA PATRIOTA (PSB-PE)
IVAN RANZOLIN (PFL-SC)
JAIME MARTINS (PL-MG)
JOÃO BATISTA (PP-SP)
JOÃO CAMPOS (PSDB-GO)
JOÃO MENDES DE JESUS (PSB-RJ)
JOSÉ CARLOS MACHADO (PFL-SE)
LEODEGAR TISCOSKI (PP-SC)
LUCIANO CASTRO (PL-RR)
MAURO BENEVIDES (PMDB-CE)
MOACIR MICHELETTO (PMDB-PR)
OSVALDO COELHO (PFL-PE)
RICARDO BARROS (PP-PR)
ROBÉRIO NUNES (PFL-BA)
ROMEU QUEIROZ (PTB-MG)
SANDRA ROSADO (PSB-RN)
WANDERVAL SANTOS (PL-SP)

Vinte e quatro são membros da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI) - conforme composição atualizada em 7/12/05 -, instância legislativa na qual se votam as renovações e as novas concessões de radiodifusão, além dos projetos de interesse da área:

ADELOR VIEIRA (PMDB-SC)
CARLOS NADER (PL-RJ)
CESAR BANDEIRA (PFL-MA)
EDUARDO SCIARRA (PFL-PR)
ENIVALDO RIBEIRO (PP-PB)
GASTÃO VIEIRA (PMDB-MA)
HERMES PARCIANELLO (PMDB-PR)
INALDO LEITÃO (PL-PB)
IRIS SIMÕES (PTB-PR)
JOÃO BATISTA (PP-SP)
JOÃO CAMPOS (PSDB-GO)
JOÃO MENDES DE JESUS (PSB-RJ)
JOSÉ ROCHA (PFL-BA)
JOVINO CÂNDIDO (PV-SP)
LEODEGAR TISCOSKI (PP-SC)
LUIZ PIAUHYLINO (PDT-PE)
PASTOR PEDRO RIBEIRO (PMDB-CE)
PASTOR REINALDO (PTB-RS)
RAIMUNDO SANTOS (PL-PA)
RICARDO BARROS (PP-PR)
ROMEL ANIZIO (PP-MG)
SANDES JUNIOR (PP-GO)
SILAS CÂMARA (PTB-AM)
WANDERVAL SANTOS (PL-SP)
E pelo menos 6 (seis) parlamentares são, ao mesmo tempo, concessionários de canais de radiodifusão e membros da CCTCI:
JOÃO BATISTA (PP-SP)
JOÃO CAMPOS (PSDB-GO)
JOÃO MENDES DE JESUS (PSB-RJ)
LEODEGAR TISCOSKI (PP-SC)
RICARDO BARROS (PP-PR)
WANDERVAL SANTOS (PL-SP)

Apesar de "frentes parlamentares" não terem existência regimental, é reproduzida na FPR uma dupla ilicitude: primeiro, aquela que é estrutural à atual composição da Câmara dos Deputados e foi, inclusive, objeto de representação junto à Procuradoria Geral da República; e segundo, a que acontece quando tramitam proposições como a PEC 453/2005 (ver "A nova desfaçatez do coronelismo eletrônico"). Vale dizer: há aí uma ilegalidade, uma vez que a Constituição proíbe que deputados (e senadores) mantenham contrato ou exerçam cargos, função ou emprego em concessionárias de serviço público. Além disso, há um impedimento ético previsto no Regimento da Câmara dos Deputados, pois se trata de assunto em que o deputado tem interesse individual em jogo.

O surpreendente (?) neste caso, todavia, é que fazem parte do grupo de deputados que subscrevem o manifesto da FPR representantes de 14 partidos, dos mais diversos matizes do espectro político, como se vê no quadro abaixo:

Negação da complementaridade

Aparentemente, questões que envolvem as rádios comunitárias continuam a despertar grande interesse nos deputados-radiodifusores e agora também em outros integrantes do Congresso Nacional. Por que será?
Dados do Ministério das Comunicações, de julho de 2005, dão conta de que existem 2.353 rádios comunitárias legalmente autorizadas e em funcionamento. Esse número é superior às emissoras comerciais ou educativas em FM que estavam operando no país em dezembro de 2004. E mais 1.364 processos de legalização de rádios comunitárias estão em tramitação.

Apesar das inaceitáveis limitações impostas pela Lei 9.612/98, do obscuro processo de autorização e das graves distorções que ocorrem no efetivo controle comunitário das rádios, elas constituem hoje uma forma alternativa ao sistema dominante de rádios comerciais privadas. Talvez possam constituir até mesmo o embrião de um futuro sistema público (não estatal) de rádio no Brasil.

Dessa forma, não é de surpreender que na Frente Parlamentar de Radiodifusão, e em suas aparentes boas intenções, se expressem claramente os interesses de concessionários que consideram as rádios comunitárias como uma ameaça aos seus negócios. Eles não admitem a existência de qualquer alternativa efetiva ao sistema privado. Na verdade, ignora-se o princípio da complementaridade entre os sistemas de radiodifusão privado, público e estatal estabelecido na Constituição que, desde 1988, deveria ser o orientador básico da radiodifusão brasileira. 

Venício A. de Lima 

Fonte: Observatório da Imprensa

 

 
 
 
   
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