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  ´´Não existe arquitetura fora da questão urbana´´
Terlânia Bruno
  18/10/2004

Um passeio pela história de São Paulo a partir de sua arquitetura foi o que a palestra da historiadora Rosa Artigas proporcionou, no último sábado, aos participantes do curso "450 Pautas: Descobrir São Paulo, Descobrir-se Repórter". Professora da escola de arquitetura Escola da Cidade, Rosa Artigas afirma que "não existe arquitetura fora da questão urbana".

Incomodada com o que chama de "vícios ideológicos", presentes nos festejos de 450 anos da "cidade que a todos acolhe de braços abertos e onde todos têm chance de vencer", Artigas diz que basta ir à periferia para ver que não é 
verdade que a cidade abriu os braços indistintamente para quem aqui chegou em busca de oportunidades.


Ana Luisa Gomes, diretora da OBORÉ e Rosa Artigas

Para ela, a história de São Paulo, desde a colonização, está vinculada à expansão da economia capitalista em que foi estabelecida uma relação promíscua entre o espaço público e o privado. "Espaço não é só o ambiente físico, mas o espaço político que se configura no espaço urbano".

Rosa Artigas discorreu sobre o plano de modernização de São Paulo, no começo do século XX, que teve na figura de Ramos de Azevedo o seu principal empreendedor. Segundo ela, o arquiteto era, acima de tudo, "um empresário capitalista com visão". Artigas defende que houve, então, um esforço das elites paulistanas em eliminar, nos espaços urbanos, qualquer  vínculo com o passado de origem negra e mameluca.

A professora chama a atenção para o fato que Ramos de Azevedo financiava as obras para o Estado, depois cobrava o investimento. "Existe até hoje uma profunda confusão, um limite muito tênue do que é o espaço público e o privado".

A modernização da cidade, com a construção das grandes avenidas e dos museus, empurra os mais pobres para as áreas periféricas, à beira dos Rios, enquanto a elite econômica, empenhada nessas iniciativas, vai se estabelecendo na região da avenida Paulista. De acordo com Artigas, é importante notar que ao longo da história de São Paulo a elite econômica e o Estado se fundem na mesma coisa.  

Era JK: presença do Estado nos espaços físicos é maior

Existem, no entanto, dois momentos em que a presença do Estado é mais nitidamente percebida no espaço físico: logo após a Revolução de 32 e no governo de Juscelino Kubitschek. "Há uma expansão da área pública que culmina simbolicamente com a construção de Brasília, uma cidade de caráter público. O governo JK é um período onde há um arrefecimento dessa promiscuidade entre o público e privado, mesmo aqui em São Paulo, com Carvalho Pinto, a presença do Estado enquanto espaço físico começa a acontecer em vários lugares". Essa presença no espaço urbano se traduz nos equipamentos públicos existentes na cidade: a escola, o Fórum, o posto policial, as avenidas, o transporte, o ponto de ônibus.

Na ditadura militar há um grande investimento em equipamentos urbanos e uma tendência mundial de reformulação dos centros urbanos. "É um momento de abandono dos centros históricos das cidades e a criação de novos pólos urbanos, fora dos centros históricos. É uma tendência mundial, que acontece após o movimento de 68 na França. E sempre que surge um movimento social muito forte resulta numa defesa da burguesia em relação aos seus espaços urbanos e privados".

De acordo com Artigas, o Estado autoritário é um Estado planejador que funciona com planos econômicos e urbanos pré-estabelecidos. É nesse período que, por exemplo, começa a ser construído o metrô e o Banco Nacional de Habitação (BNH), que virá a ser o principal elemento de incentivo à construção civil e à especulação imobiliária atendendo, particularmente, a classe média. Nesse momento é que começam a surgir os bairros de classe média e a verticalização da cidade.

Anos 80: descentralização do centro histórico

Com a descentralização do centro histórico para os novos centros, há novamente a expulsão das camadas mais pobres para mais longe. Surgem, então, os bairros Itaquera, Campo Limpo, Parelheiros, zonas semi-rurais nas décadas de 50 e 60 que passam a incorporar o novo mapa da cidade. É também nesse período que São Paulo começa a ter delineada a sua Região Metropolitana, hoje formada por 39 cidades.

Para Rosa Artigas, os anos 80 também são a "década perdida" na questão do planejamento urbano na cidade de São Paulo, que só será retomado na gestão da prefeita Luiza Erundina.

"Essa ausência de planejamento resulta em desrespeito total à lei de zoneamento, por exemplo, ou às leis reguladoras do espaço urbano. Nos anos 80 surgem os famosos condomínios fechados. O sujeito cansado da vida pública cria uma cidade particular, com policiamento particular, sem pobre, que só entra lá para trabalhar. O
filho de 16 anos pode guiar porque não tem policiamento lá dentro. E ele, que sempre reclamou do IPTU, que reverte para as causas públicas, paga um condomínio imenso para viver nessa redoma. A coisa mais anti-pública que pode existir."

Artigas lembra que toda a infra-estrutura urbana desses condomínios é paga com os impostos de toda a população. "Costumo dizer aos meus alunos que há dois boons nos anos 80: a explosão das suites (quartos com banheiros) e dos condomínios fechados".

Especulação imobiliária: lixo cultural e econômico

Segundo ela, é preciso desmistificar a história de que o paulista vence através do próprio esforço e que o aspecto público pode ser insignificante nesse processo. "Sem a ação pública, sem essa promiscuidade estabelecida, nenhum Matarazzo teria construído o capitalismo dentro da cidade de São Paulo da forma como está hoje".

A especulação imobiliária para a classe média alta é outra importante questão que, segundo Artigas, deve ser encarada de frente. Para ela, é essa especulação a principal responsável pela péssima utilização, tanto estética quanto ética do solo urbano paulistano. "Um lixo cultural e econômico que vende fortunas para uma classe média que sonha ser francesa até hoje. Nós precisamos ter coragem de dizer que isso é um lixo urbano e arquitetônico e ter a coragem de afirmar isso. A gente quer uma arquitetura brasileira".

Para realizar esse sonho, Rosa Artigas se juntou à Associação de Ensino de Arquitetura e Urbanismo na Escola da Cidade com o objetivo de formar arquitetos que tenham o olhar voltado do público para o coletivo e que não se disponham a simplesmente atender a solicitações de uso dos espaços privados.

Para conhecer:

Escola da Cidade
www.escoladacidade.edu.br

Curso "450 Pautas: Descobrir São Paulo, Descobrir-se Repórter" 
Projeto Repórter do Futuro
www.obore.com/450pautas

 
 
 
   
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