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  Jornalista Aureliano Biancarelli apresenta carta sobre a Folha de S.Paulo

  31/08/2004

O jornalista Aureliano Biancarelli é parceiro da OBORÉ na divulgação das mais importantes ações na área da saúde, além de integrante do Conselho de Orientação Profissional do Projeto Repórter do Futuro. No último corte da Folha de S. Paulo, jornal onde trabalhava há 15 anos, Aureliano foi demitido, por celular e sem justa causa, mesmo sendo o principal repórter da área de saúde. O jornalista entregou a carta abaixo reproduzida no momento da sua homolação.  Vale a pena ler para entender melhor a lógica que rege uma das maiores empresas de comunicação do Brasil.
 
 
"No momento desta homologação, quero deixar registradas as seguintes ressalvas:
 
1 - Estabilidade por aposentadoria
De acordo com cálculos feitos pelo Sindicato dos Jornalistas e advogados trabalhistas, estou a menos de um ano do meu direito a uma aposentadoria proporcional. Segundo a cláusula 20 da Convenção Coletiva de Trabalho, por eu ter mais de sete anos de trabalho na mesma empresa, tenho assegurado a permanência no emprego por mais um ano. Logo, tenho direito a uma reintegração ao trabalho por esse período, ou a uma indenização pelo descumprimento desse direito.
 
2 - Estabilidade pelo período de férias
Também fui demitido antes que se completasse o período de estabilidade de um mês posterior ao final das minhas férias. A empresa deverá me indenizar por isso.
 
3 - Horas extras
O contrato de sete horas (cinco horas mais duas extras) nunca foi cumprido. A média de horas trabalhadas, no geral, passava das nove horas por dia. Muitas vezes, o trabalho era completado em casa, fora do horário de serviço. Incontáveis vezes levei um lap-top nas folgas de final de semana, trabalhando depois que meus filhos dormiam. Tenho testemunhas que podem comprovar essas situações.
 
4 - Dupla jornada em viagens
Participei da cobertura de um grande número de congressos e eventos fora de São Paulo e fora do país. Em todos eles, a jornada de trabalho era dobrada, já que os seminários aconteciam durante todo o dia e as matérias eram escritas no início da noite. A Folha nunca recompensou, com folgas ou pagamentos, esse trabalho extra. Posso anexar as matérias que escrevi como enviado especial nesses últimos cinco anos.
 
5 - Representando a empresa
Participei, como representante da Folha de S.Paulo, de dezenas de debates, mesas-redondas e  palestras, geralmente sobre o tema saúde. Nunca fui pago por essas atividades, geralmente realizadas  sem prejuízo do meu trabalho diário. Lembro que, ao falar como representante da empresa, estava assumindo uma responsabilidade muito maior que aquela atribuída à minha função de repórter. Posso apresentar uma série de atestados que comprovam essa minha participação.
 
6 - Publicações que divulgaram a Folha
Como repórter na área da saúde, fui convidado a escrever um livro sobre o tema para uma coleção da Editora Brasiliense. Fotógrafos da Folha, fora do expediente, registraram os personagens do livro. O trabalho resultou numa exposição que percorreu dezenas de espaços e foi vista por mais de 500 mil pessoas. No painel de abertura, a Folha aparece como uma das instituições que apoiavam a exposição, ganhando grande visibilidade. Nunca pedi, nem me foi oferecido, qualquer pagamento por esse trabalho. Também escrevi, como repórter da Folha, textos que integram vários livros e revistas. Nada recebi por isso, mas o nome da Folha foi
devidamente destacado.
 
7 - Direitos autorais
Muitas das matérias que escrevi para a Folha foram publicadas também no jornal Agora, da mesma empresa. Da mesma forma, muitas das reportagens, especialmente para a página dominical de Saúde, foram publicadas por dezenas de outros jornais.
 
 
Outros danos sofridos pela demissão:
 
1 - Demissão pelo celular
Fui informado que seria demitido por meio de um recado no celular, no primeiro dia de férias que passaria com as minhas filhas. Como estava em férias, seria demitido no retorno, dizia o recado, o que de fato aconteceu. A atitude da empresa, na qual trabalhava havia 15 anos, além de desrespeitosa, destruiu qualquer possibilidade de permanecer com meus filhos, já que não havia mais clima para férias. Retornei a São Paulo no dia seguinte preocupado com um novo emprego.
 
2 - Desrespeito à lei dos planos de saúde
Todos os colegas demitidos tiveram que devolver a carteira do convênio médico da empresa no mesmo dia. Se fossem atropelados na volta para casa, estariam sem a proteção de qualquer plano. No entanto, a lei dos planos de saúde diz que, ao deixar uma empresa cujo plano empresarial também conta com a participação do empregado, ele terá direito a permanecer no plano pelo período de seis meses a dois anos. A própria empresa Folha, em mais de uma reportagem, orientou os leitores nesse sentido. Advertiu, por exemplo, que era obrigação da empresa e do plano de saúde, logo após a demissão, informar ao segurado que ele tinha a opção de permanecer no plano empresarial por esse período. A Folha e a Marítima (seguradora responsável pelo plano da empresa) ignoraram a lei, "escondendo" esses  direitos. Para garantir um mínimo de segurança para mim e meus dependentes, tive de pagar R$ 1.200,00 a um escritório de advocacia, que obteve liminar garantindo minha permanência, e a de meus quatro dependentes, por mais seis meses ou um ano no plano.
 
3 - Desrespeito à identidade do jornalista
A empresa prometeu manter por 15 dias uma mensagem nos seus computadores, informando o novo endereço de e-mail do funcionário despedido. Não fez isso. Também cortou, sem avisar (pelo menos no meu no caso), o e-mail UOL que mantinha no computador de casa, e que também era usado pelas minhas fontes e contatos de trabalho. Desta forma, além de despedir os jornalistas sem justa causa, a empresa cortou a possibilidade de contatos desses profissionais com suas fontes, amigos e empresas, indispensáveis nesse momento em que se busca um novo emprego.
 
4 - Projeto destruído
A empresa oferece um período de "licença" remunerada de acordo com o tempo de serviço do profissional. A intenção é permitir e incentivar o jornalista a se reciclar ou investir em outras áreas, seja escrevendo um livro ou estudando uma língua. Trata-se de um benefício que a Folha oferece por iniciativa própria e que revela a maturidade da empresa. No dia 31 de julho passado, ao completar 15 anos na empresa, eu passaria a ter direito a um período de quatro meses. Já tinha me preparado para uma pesquisa sobre as condições de vida do paulistano, que poderia se transformar em livro ou em uma série de matérias. É evidente que a empresa levou esse fato em consideração, jogando por terra sua própria política, os projetos dos jornalistas e, naturalmente, reduzindo gastos. A Folha não tinha e não tem nenhuma obrigação de oferecer tal benefício, mas ao demitir jornalistas nesse direito, provoca sérios danos morais.
 
5 - Punição à verdade
A Folha sempre se orgulhou de manter uma sessão onde reconhece os erros que cometeu. Atitude de primeiro mundo. A diferença é que, ao reconhecer que errou, o jornalista é punido com uma queda na sua avaliação (em jornais como Washington Post, por exemplo, jornalistas que reconhecem seus erros e os corrigem, são bem vistos). Na Folha, diante da ameaça de sanção, os jornalistas tentam esconder seus erros. Um controle de qualidade, que conta os erros de todos os tipos - contagem posterior à publicação, não uma checagem anterior à publicação- resulta num boletim bimensal onde os jornalistas são humilhados quando não se enquadram nos manuais da Folha. Por exemplo, uma mulher entrevistada terá que ser citada pelo seu sobrenome, mesmo que seja Leão ou Pinto. Citá-la pelo primeiro nome, custará um erro e uma queda na avaliação. Aqueles com melhor pontuação, com os textos mais pasteurizados, são premiados no final do ano com viagens para a Europa e os EUA. Os que ousam, são punidos.
 
5 - Dano moral aos excluídos
Desde que entrei na Folha, em 1989, sempre trabalhei com temas pouco tratados na mídia. Foi graças ao meu trabalho, que os doentes de Aids começaram a aparecer na mídia, e que a
discriminação foi aos poucos reduzida. Um texto publicado pela Revista da USP, assinado por mim, anos atrás, mostra como a Folha interferiu de forma fundamental na defesa e na auto-estima dos doentes de Aids. Minhas matérias sempre trataram com excluídos, desde os doentes que não recebiam remédios do governo, até a importância de facilitar as adoções de crianças, o respeito pelos direitos dos gays e lésbicas, a saúde da mulher, a sexualidade dos adolescentes, a discriminação dos negros nos serviços de saúde, a sobrecarga dos médicos, etc. Com a minha demissão, a Folha apagou a visibilidade que, mesmo com dificuldade, esses excluídos vinham conseguindo no principal jornal do país.
Os danos morais, nesse caso, não se limitam à minha pessoa. Ao me demitir, na melhor fase de minha produção e  com uma rede de contatos em todo o Brasil, a Folha abandona milhões de pessoas que tinham a mídia como aliada. Sei que pelo menos 30 cartas chegaram ao Painel do Leitor e ao Ombusdman protestando contra as demissões e citando o meu nome. O próprio Ombudsman escreveu dizendo que o leitor estava sendo desrespeitado ao não se informado das demissões e que tal fato resultaria em queda de qualidade. A Folha publicou apenas uma das cartas de protesto. Mas deu espaço a supostos leitores que defendiam a empresa alegando que o patrão manda embora quem quer e que não deve explicações aos leitores. Essa regra pode valer para metalúrgicas ou fábrica de vassouras, por exemplo, mas não para um jornal que está no centro dos debates nacionais.
 
Conclusão
Se a empresa quer jogar por terra seu suposto papel social, é problema dela. Como produto, a decisão caberá ao leitor decidir. Mas ao desrespeitar seus profissionais, que ao longo de décadas se dedicaram a formar uma imagem de credibilidade do jornal, ela deve ser responsabilizada pelos danos morais que está causando."
 
Aureliano Biancarelli
 
 
 
   
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