24/08/2004
Lançado recentemente, o filme
"Olga" de Jaime Monjardim tem incomodado a crítica. Há quem considere que o
autor, consagrado diretor de telenovelas, tenha exagerado na dose e excedido na
linguagem melodramática, entre outros argumentos. Acerca dessas críticas, o
jornalista Breno Altman produziu o artigo abaixo, destacando as qualidades e o
valor histórico do filme.
Quando éramos
heróis Breno Altman*
Vários críticos têm apontado para
problemas dramatúrgicos no filme Olga, obra dirigido por Jayme Monjardim. Falta
de substância histórica e overdose emocional são os argumentos mais ressaltados.
Talvez exista uma certa razão para estes comentários. O filme exibe, em
determinadas passagens, excessivo recurso a clichês e à linguagem melodramática.
Mas estas são questões menores para quem tem o coração do lado esquerdo do
peito. Qualquer objeção é pequena diante da empreitada de levar à tela, com
paixão e delicadeza, a vida da heróica militante comunista.
Um dos mais ácidos comentários veio de José Geraldo
Couto, publicado na Folha de S.Paulo em 20 de agosto. Além das objeções
estéticas, lá pelas tantas afirma que a obra está marcada por um "maniqueísmo
simplório que faz de todos os policiais brasileiros vilões com pesados capotes e
bigodinhos sinistros". Há nesta observação de Couto um anticomunismo pouco
disfarçado, que se sustenta sobre a teoria dos dois demônios. A julgar por suas
palavras, havia heróis e vilões de ambos os lados - se o filme assim o
reconhecesse, maniqueísta não seria. A eqüidistância seria o ponto da
sensatez.
Seu argumento cheira mal. Na época, era o discurso
dos que se portavam, envergonhados, como cúmplices pretensamente neutros do
nazismo. Este foi o truque de Chamberlain e Deladier, governantes da Inglaterra
e da França, para recusar uma frente única com a União Soviética, contra Hitler.
Empolgavam-se, na verdade, com a idéia do chefe alemão dirigir todas suas forças
para destruir o primeiro país socialista. Mas sempre em nome de uma posição
equilibrada entre os extremos.
O fato é que só havia dois lados. Nada importa se,
nas fileiras inimigas, incorporaram-se filhos e pais sensíveis, gente de boa
índole. Estavam a serviço da barbárie e do crime contra a humanidade. Como
bárbaros e criminosos devem ser retratados. Seu papel na história, portanto, só
pode ser lembrado com repulsa e horror. Eles eram o perigo a ser abatido sem
piedade. O filme de Monjardim este ponto de vista: abraça, com emoção, a epopéia
dos que fizeram frente à brutalidade. Olga Benário representa uma
geração que se entregou, até as últimas conseqüências, à construção de um mundo
novo. Era gente disposta a matar ou morrer. Lutadores que viveram uma época de
tudo ou nada. Homens e mulheres foram além das contendas sociais em seus países.
Muitos deram sua vida para deter o franquismo na guerra civil espanhola.
Apresentaram-se para resistir aos nazistas na França ocupada. Perfilaram-se ao
lado das tropas vermelhas que quebraram as forças alemãs na Batalha de
Stalingrado.
Alguns destes militantes feitos de ferro e de flor
vieram ao Brasil. Olga esteve nas primeiras filas de combate. Sua missão era
ajudar o Partido Comunista e seus aliados a deterem a escalada fascista através
de levante cívico-militar, com o objetivo de estabelecer um governo
popular-revolucionário. A insurreição de 1935, o instrumento desta
política, revelou-se grave erro, cujos efeitos se arrastaram por décadas. Mas os
que se levantaram em armas eram feitos de uma têmpera especial. Acreditavam
visceralmente que a dignidade e a liberdade eram valores superiores à vida.
Vários deles - como Apolônio de Carvalho e David Capistrano - juntaram-se às
milícias que lutaram, sem fronteira, contra o nazi-fascismo. Outros pagaram com sangue e calabouço por sua
opção.
A oligarquia jamais suportou a superioridade moral
destes combatentes. Dedicou-se a difamar Luiz Carlos Prestes e seus
companheiros, expurgando-os da memória nacional. Olga, o filme, contra a maré,
resgata o compromisso histórico e a valentia destes lutadores. E vai além:
desnuda a face historicamente criminosa das elites brasileiras.
Em tempos tão cínicos e medíocres como os
atuais, jovens e antigos amigos do povo deveriam assistir de peito aberto esta
bela obra, que conta de quando éramos heróis.
Nós éramos, como escreveu Olga em sua última carta,
os que lutávamos pelo "bom, pelo justo e pelo melhor do
mundo".
*Breno Altman é membro do conselho
de redação da revista Reportagem e colaborador do site Oficina de
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