14/11/2003
Manipulação, omissão, mentira, monopólios.
Economia? Não, Comunicação. Essa atividade simples, inerente ao ser humano, que
trata da forma como pessoas trocam informações, e que adquire dimensão
gigantesca quando se trata de jornais de centenas de milhares de exemplares e de
canais de televisão que chegam a milhões de casas. Violação de privacidade, caso
Gugu / PCC são alguns dos melhores – ou piores – exemplos do que a mídia pode
oferecer. Para discutir os problemas da comunicação brasileira, organizações da
sociedade civil e veículos de comunicação se encontraram em Belo Horizonte,
durante o I Fórum Social Brasileiro (FSB).
O momento foi propício. Além de uma grave crise de
credibilidade e qualidade de toda a grande mídia, a crise financeira atinge a
todos os grandes veículos. Tão grave é a situação que empresas de mídia como as
Organizações Globo, a Editora Abril e o SBT já pedem auxílio governamental,
através de recursos do BNDES. A possível ajuda dos cofres públicos para os
grandes veículos de comunicação em massa já foi apelidada de ‘Promídia’, em
referência ao Proer, o programa de auxílio aos bancos feito no governo
FHC.
Reunidas no FSB, entidades como o Fórum Nacional
pela Democratização da Comunicação (FNDC) e Associação Brasileira de
Radiodifusão Comunitária (Abraço), veículos como o jornal Brasil de Fato e a
revista Caros Amigos e movimentos sociais como o MST afinal descobriram uma
pauta comum: o direito à Comunicação como um direito humano, universal e
inseparável de todos aqueles tão falados atualmente. Entre as pautas discutidas
por este "movimento de movimentos" estão a democratização da comunicação, o
combate aos monopólios da mídia, o fim da criminalização dos movimentos sociais,
inclusão digital e software livre.
Por um outro
jornalismo
O debate "Por um Outro Jornalismo: desafios da
imprensa crítica no Brasil hoje", organizado pelo Intervozes – Coletivo Brasil
de Comunicação Social e pelas editoras da Fundação Perseu Abramo e da UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais) foi um espaço marcado por intensa
articulação e resultados surpreendentes.
Numa mesma mesa, reuniu Marina Amaral, da revista
Caros Amigos; Bernadete Toneto, do Jornal Brasil de Fato; Raimundo Pereira, da
revista Reportagem; Plínio Arruda Sampaio, do Correio da Cidadania; Antônio
Martins, do Portal Porto Alegre 2003; Renato Rovai, da Revista Fórum; Edvar
Bonotto da Revista Princípios; e Bernardo Kucinski, jornalista e assessor da
Secom.
Em meio a vários desafios, reflexões, dificuldades,
demandas e possibilidades apresentadas pelos jornalistas e pelo público presente
– mais de 150 pessoas – os veículos assumiram o compromisso de buscar um
trabalho conjunto visando ao fortalecimento do segmento e de cada um dos meios
presentes.
Na opinião de Raimundo Pereira, "precisamos de
muita ação, de muita união. E nesse sentido essa iniciativa de articulação é uma
vitória, um caminho que devemos seguir."
Além de assumirem de forma entusiasmada a
possibilidade de articulação em termos de conteúdo, logístico e publicitário, os
veículos que compunham a mesa chegaram a outro consenso: buscar uma consolidação
política do setor dos veículos de comunicação crítica.
"Os veículos progressistas devem formar uma rede
não para se fundir, mas para disputar meios, idéias e corações. Queremos que o
povo entenda o que é uma sociedade democrática" pois, do outro lado, a mídia
tradicional, diariamente, "vicia e acostuma o leitor, batendo com suas idéias
diariamente na cabeça das pessoas", disse o jornalista Plínio de Arruda
Sampaio.
Os veículos progressistas presentes ao debate já
deram um primeiro passo para essa disputa. Vão enviar uma carta pública ao
presidente Lula, ao Ministério das Telecomunicações e demais ministérios
envolvidos com a área, assim como à presidência do BNDES, questionando a
possibilidade de o governo elaborar um programa de refinanciamento das dívidas
das grandes empresas de comunicação da mídia. Para Plínio de Arruda Sampaio, "a
operação de apoio à mídia – que ainda não vi discutida de forma aberta no
governo e no PT – é um belo ponto para iniciarmos esse trabalho
conjunto."
Deverão ser convidados a participar dessa ação
outros veículos de todo o Brasil que não puderam estar presentes, como
OPasquim21, Carta Capital, e Centro de Mídia Independente, assim como diversas
entidades e movimentos sociais, como o FNDC e a Enecos (Executiva Nacional dos
Estudantes de Comunicação Social). Em debate realizado pelo Fórum Nacional Pela
Democratização da Comunicação (FNDC) proposta semelhante foi apresentada, e o
FNDC deve encaminhar sua efetivação.
O Promídia tem sido defendido de forma organizada e
pública pelas entidades representativas da grande mídia. Já o governo assume que
se trata de uma questão de Estado, mas não algo a ser tratado de forma pública.
É justamente o que os veículos de presentes ao debate "Por um outro Jornalismo"
pretendem, assim como o FNDC: irão afirmar ao governo federal a necessidade de
que o tema seja tratado de forma pública, com os critérios apresentados de forma
transparente, e, ainda, quais as contrapartidas que entendem ser necessárias no
caso do apoio realmente se efetivar. Contrapartidas que vão de medidas buscando
a democratização dos próprios grandes meios e outras que possibilitem um
fortalecimento de outros meios e, conseqüentemente, a democratização da mídia em
geral.
Jornada
Outro importante evento no campo da comunicação
realizado durante o Fórum Social Brasileiro foi o lançamento da Jornada Pela
Democratização da Mídia. A Jornada foi concebida inicialmente por MST, UNE, CUT
e Rede Social de Direitos Humanos, e tem por objetivo denunciar a criminalização
e os ataques realizados pela grande mídia aos movimentos sociais. Além de buscar
fazer frente a essa atitude da imprensa grande, a Jornada pretende promover um
debate na sociedade a respeito do papel da comunicação e sobre a necessidade de
democratização do setor.
O ato em Belo Horizonte foi mediado pelo jornalista
José Arbex Jr., da Caros Amigos e Brasil de Fato, e contou com presença de
representantes das entidades organizadoras, além de convidados internacionais –
Norman Solomon, dos EUA, Aixa Gonsalez, de Cuba, Ali Nakhlawi, da Palestina –,
que explicaram como a imprensa se comporta em seus países em relação aos
movimentos sociais, traçando paralelos com o Brasil.
No ato do Fórum, realizado no ginásio do
Mineirinho, Arbex apresentou a campanha "Veja! Que mentira!", que irá utilizar a
revista da editora Abril como símbolo dos ataques realizadas pela grande mídia
aos movimentos, buscando com isso divulgar e ampliar o alcance da Jornada Pela
Democratização da Mídia. Segundo Arbex, a Jornada busca "denunciar e
conscientizar a respeito do papel negativo prestado pela revista Veja à
sociedade brasileira." Os organizadores pretendem ainda que a campanha provoque
uma queda no número de assinantes da revista, inspirados no que ocorreu com o
jornal gaúcho Zero Hora, alvo da campanha "Zero Fora."Além do evento em Belo
Horizonte, atos da Jornada ocorrem no Rio e em São Paulo (veja quadro), apoiados
por inúmeras entidades e veículos de comunicação crítica. Uma tentativa, mais do
que tudo, de espalhar o debate da Comunicação por todo o país.
Com informações da Agência Carta
Maior e da Agência Ciranda Brasil
Reportagem de André Gallindo, Adriano de Angelis,
Bia Barbosa, Carolina Ribeiro, Lucio Mello, Maurício Hashizume e Rodrigo
Savazoni (Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social); Antonio Biondi e
Marcio Kameoka (Ciranda Brasil)
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