28/07/2003
Regente do Coral Cantosospeso,
em Milão, o maestro Martinho Lutero está de volta a São Paulo onde apresenta-se
com o Coral Paulistano e Grupo de Câmara da Orquestra Sinfônica Municipal, ambos
do Teatro Municipal de São Paulo. Os concertos acontecem em 1º de agosto
(Teatro Municipal de São Paulo - 21h00); 5 de agosto (Mosteiro de São Bento -
20h30) e 6 de agosto (Theatro São Pedro - 20h30).
Lutero regerá a obra " MEMBRA JESU NOSTRI " -
Ciclo de cantatas do compositor barroco alemão Dietrich Buxtehude ( 1637-1707 ).
Conta a história da música, que o jovem J.S.Bach deixou sua cidade natal e
percorreu mais de 300 Km, a pé, para ouvir o maior organista de sua época ,que
viria a ser mais tarde o seu grande mestre : Dietrich Buxtehude.
Grande compositor, encoberto pela exarcebada fama
de seus alunos - entre eles o grande J.S. Bach - Buxtehude ficou mais conhecido
como compositor de música para órgão. Recentemente a Europa descobriu e resolveu
tornar pública a grande obra vocal deste magnífico compositor do período barroco
alemão.
Nascido em 1637, em território que hoje pertence à
Dinamarca, foi mestre de capela e organista da Catedral de Lübeck, transformando
esta pequena cidade num dos principais centros musicais da sua época. Criou as
"abendmusik", saraus vespertinos de música de câmara, que dirigiu até sua morte
em 1707. Buxtehude compôs uma infinidade de cantatas para coro, tanto em alemão
como exigia a nova liturgia protestante, quanto em latim conforme a velha
tradição romana. Merece especial atenção o ciclo de cantatas "Membra Jesu
Nostri".
Obra-prima deste compositor, é um ciclo de sete
cantatas que descreve de modo quase realístico as sete partes laceradas do corpo
de Cristo no calvário da cruz. Começando pelos pés ( I Cantata ), descreve a
violência dos cravos que quebrantam os ossos divinos; passando pelos joelhos (
II Cantata ), doloridos pelo peso da cruz; chegando às mãos ( III Cantata ),
onde o autor pergunta : "Que chagas são essas no meio das tuas mãos ?". Segue
depois cantando e descrevendo o lado (IV Cantata ) ferido pela lança do soldado
passando pelo peito ( V Cantata ), chegando ao lacerado coração(VI Cantata).E
finalmente a face ( VII Cantata ) ferida pela coroa de espinhos fecha o ciclo de
cantatas com um imponente "Amen". MEMBRA JESU NOSTRI Os membros de Nosso Senhor
Jesus Cristo 1. Os pés Ad Pedes 2. Os joelhos Ad genua 3. As mãos Ad Manus 4. O
lado Ad Latus 5. O Busto Ad Pectus 6. O Coração Ad Cor 7. A Face Ad faciem A
obra é impressionante pela sua capacidade de transportar os ouvintes aos
momentos emocionais do sofrimento de Jesus Cristo na cruz de forma incrivelmente
humana e até mesmo sensual ,como define Don Vittorino Johannes-critico musical
responsável pela Cúria da Arquidiocese de Milão. O texto do século
XII de Bernardino de Chiaravalle é intenso e quase profano...
O Maestro por Marcus
Vinícius de Andrade*
Martinho Lutero é um brasileiro raríssimo.
Primeiro, por ser um daqueles talentos inquestionáveis que são - infelizmente -
mais conhecidos no exterior que em sua própria terra. Depois, por ser dono de
uma biografia fascinante, digna mesmo de um personagem de Conrad: neto de judeu
tcheco com índia e de calabrês com suíça, saiu de Alpercatas (MG) para receber o
título de cidadão de Milão, honraria antes só conferida a um certo Carlos Gomes,
há mais de cem anos.
Para chegar até lá, Martinho passou antes por Rio
de Janeiro, São Paulo, Paris e Maputo, tendo vivido os mais diversos papéis:
diretor musical de "Hair", militante da ALN (Aliança Libertadora Nacional),
fundador do Coral Luther King, estudante e pesquisador da UNESCO na África, só
pra citar alguns. De Moçambique, chegou à Itália pelas mãos de ninguém menos que
Luigi Nono, com quem trabalhou durante quatro anos. Daí para tornar-se um dos
mais talentosos e requisitados regentes da atualidade, foi só um passo.
Só que Milão chegou na frente e deu logo a Martinho
o reconhecimento que Alpercatas ainda não lhe deu. Mas Martinho Lutero é figura
rara também por outras razões: ele bem que poderia, se quisesse, ter abraçado a
regência de orquestra, área pródiga em holofotes e cifrões, além de que muito
mais glamurizada pela grande mídia. Mas não. Mesmo sendo um qualificadíssimo
regente de orquestra, Martinho resolveu priorizar, em sua carreira, a esquecida
música coral.
Foi uma espécie de "opção pelos pobres" que se
revelou acertada, pois permitiu transformá-lo num dos protagonistas de um
movimento internacional pela revalorização do canto coletivo, embrião de um
futuro Forum Coral Mundial. Martinho está tendo a sabedoria de resgatar o poder
sociabilizador do canto, transformando-o em instrumento de integração
comunitária, de consciência e, principalmente, de cidadania. Com isso, ele vem
dotando a chamada música erudita de um poder político-participativo raro nos
dias atuais.
A notável atuação de seus corais em movimentos e
eventos como o Forum Mundial de Porto Alegre mostra que o poder mobilizador da
Música pode e deve ser usado em prol da verdadeira globalização: aquela que une
vozes e mentes para criar novos e melhores cidadãos do mundo. Por tudo isso,
Martinho muito tem a falar. E o Brasil, muito tem a ouvir e (principalmente) a
aprender com ele. Fala, Maestro!
* O
Maestro Marcus Vinicius de Andrade é presidente da AMAR - Associação de Músicos,
Arranjadores e Regentes; integra o Comitê Ibero-americano da CISAC -
Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores; é
diretor-artístico do selo discográfico CPC-UMES
Sobre o trabalho
por Martinho Lutero
O Coral Paulistano enfrenta neste seu feliz
ano de atividades, três dos maiores compositores saxônicos do período pós -
renascentista : Schütz, Bach e Buxtehude . Coube a mim a honra deste
último, talvez o mais vocal, o mais intenso e o mais tradicional deles.
Costuma-se erroneamente colocar Dietrich Buxtehude na lista dos compositores "
menores ". Mas se o grande , o magnífico Bach percorreu mais de duzentos
quilômetros a pé somente para ouví-lo tocar e fazê-lo ouvir uma de suas
composições, então...
A obra que iremos executar em primeira audição em
São Paulo é uma série de cantatas de Buxtehude escrita em latim sobre
texto de Bernardo de Chiaravalle (1319): Membra Jesu Nostri . Este ciclo de sete
cantatas é sem dúvida uma obra prima. Inspirado nas sete partes
contundentes do crucifixo onde dor e amor se unem para falar de um sacrifício
humano e divino; por amor de um homem e dos homens , a saga de um ser humano e
de todos os seres humanos .
Os pés (pedes evangelizantes) lacerados, se
libertam dos cravos e descem de novo a montanha do sermão das bem aventuranças .
Os joelhos doloridos são acariciados e beijados (ad ubera portabimini). O lado
perfurado é refúgio , caverna da pomba amorosa (surge, amica mea). A face por
espinhos lacerada (Illustra faciem tuam), resplandece diante dos seus
seguidores. O peito ofegante carrega o fardo dos equívocos do mundo
e padece a dor da dupla morte (ne dupla morte morerem). O coração ( vulnerasti
cor meum ) faz-se morada do amor profundo e imensurável. E que dizer da pergunta
musical mais que perfeita na cantata dedicada às mãos : quid sunt plagae iste in
medio manum tuarum ? , e como não pensar em todas as injustas torturas de
tempos remotos e recentes ?
Solistas , coro , instrumentos barrocos e modernos,
juntos se dedicam à leitura da partitura, à interpretação dos textos, a "
recitar cantando " como ensinou o mestre Monteverdi que Buxtehude não se acanha
em citar e copiar .
O prazer de realizar a obra se une ao enorme prazer
de trabalhar com este empolgante Coral Paulistano , aceitar o convite da
sua competentíssima regente Mara Campos e romper com 25 anos de " exílio"
musical, voltar a pisar os corredores do Teatro Municipal ; devolver à
querida São Paulo - berço musical , anos de peregrinação sonora nos rincões
perdidos da cultura popular e clássica. Reencontrar amigos, abraçar
alunos, conhecer a nova geração brilhante, estudiosa, prenha da vontade de
realizar boa música , com qualidade, com eficiência, com paixâo. Este foi o
clima durante os ensaios de preparação deste trabalho que vem ao público como
fruto do esforço de toda a equipe artística e técnica do Coral Paulistano.
A esperança é que o público consiga compartilhar os
sons e as emoções vividas no estudo e na realização deste concerto.
Obrigado a vocês todos por essa chance de fazer boa música , de mais
uma vez dar a luz a Buxtehude nos trópicos, e deitar a poesia dos sons .
Coral Paulistano do Teatro Municipal de São
Paulo e Grupo de Câmara da Orquestra Sinfônica
Municipal
· 01 de Agosto
Teatro Municipal de São Paulo - Praça
Ramos de Azevedo, s/n - Centro - tel (11) 223.3022 -21horas - Ingresso: R$ 5,00
· 05 de Agosto
Mosteiro de São Bento - Largo S. Bento,
s/n - Centro - tel (11) 228.3633 -20h30 - Entrada franca
· 06 de
Agosto
Theatro São Pedro - R. Barra Funda,
171 - tel (11) 3661.6529 - 20h30 - Ingresso: RS 10,00
Mais informações:
João Paulo Charleaux
tel (11) 9970.0970
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