08/05/2003
Dessa vez, a Polícia Federal não
poupou nem a universidade. Dando sequência à tarefa ininterrupta e ao que parece
prioritária de lacrar rádios comunitárias nos quatro cantos do país, um agente
da Polícia Federal lacrou, no dia 14 de abril passado, a Rádio Interferência,
que funcionava no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ.
A notícia foi publicada no portal Comunique-se, de
17 de abril passado. Segundo relato de alunos, o policial não apresentou mandado
judicial e autuou a Profa. Suely de Almeida, decana do Centro de Ciências
Humanas, como responsável pelas "ações ilegais" dos alunos.
A inspeção à Rádio Interferência teria ocorrido a
pedido da ANATEL "para averiguar interferências nas transmissões do Aeroporto
Santos Dumont", de acordo com um grande jornal carioca. No entanto, o engenheiro
de telecomunicações e professor Hugo Melo, da UFRJ, explicou que os sinais de
aviação operam numa faixa de freqüência (até 300MHz) muito diferente das rádios
FM (de 88 a 108MHz). Ele ressaltou ainda que o equipamento da rádio é
profissional, de alta qualidade, e que dificilmente apresentaria uma distorção
desse nível.
Rafael Rosenhayme, do núcleo de programação da
rádio, disse que o policial não permitiu que os alunos pudessem ler o conteúdo
da "notificação" que alegou ter em mãos. A legitimidade da ação foi questionada
por estudantes e pela Reitoria. Por se tratar de uma universidade federal,
somente a PF pode ingressar no campus. E, mesmo assim, de acordo com o
procurador-geral da UFRJ, Ronaldo de Albuquerque, a Reitoria deveria ter sido
previamente informada da ação.
A chefe-de-gabinete do reitor da UFRJ, Profa.
Ângela Gonçalves, se disse surpresa com a atitude da Polícia. Declarou também
que a posição da Reitoria é de apoio aos estudantes e que serão tomadas
providências para o retorno das transmissões. Segundo ela, os alunos não podem
ficar sem uma atividade laboratorial como a rádio.
Rádio quer manter
independendência
A Rádio Interferência funciona desde 1985 no campus
da UFRJ na Zona Sul do Rio de Janeiro, sem concessão ou vínculo institucional. A
gestão, programação e divulgação da rádio são feitas pelos estudantes. A
emissora funciona como atividade laboratorial e de comunicação comunitária, mas
nunca se submeteu ao controle acadêmico e nem buscou a regularização
legal.
De acordo com os alunos, a legalização prejudicaria
o trabalho da rádio. A legislação brasileira para rádios comunitárias estabelece
limites rígidos e impraticáveis para a transmissão. Enquanto a lei só permite a
potência de 25 watts para o equipamento, a Interferência vem operando com 50
watts. O raio de alcance do sinal, que legalmente só pode ser de 1km, tem
ultrapassado os 10km, chegando mesmo à cidade vizinha de Niterói.
A localização privilegiada do campus da UFRJ, na
entrada da Baía da Guanabara, permite que a rádio alcance quase toda a Zona Sul
da cidade, área de classe média e alta. A freqüência em que ela opera (91,5 MHz
FM) é vazia no rádio carioca. A programação da Interferência, desde sua
fundação, caracteriza-se por diferenciar-se das rádios comerciais, dando espaço
a bandas alternativas, música regional ou popular (como choro e samba de raiz) e
jornalismo crítico, voltado para a comunidade dos bairros alcançados. Nesses 18
anos de funcionamento, esta é a primeira vez que a Rádio Interferência é
visitada pela polícia.
Estudantes se mobilizam para a
reação
Depois do fechamento da rádio, alguns estudantes
contataram as principais entidades de rádios comunitárias do Rio e do Brasil,
como a AMARC (Associação Mundial), a FARC (Federação Regional), a UNIRR (União
das Rádios Regionais) e o CRIAR (ONG de assessoria e capacitação), além de
parlamentares que têm atuação específica na área de radiodifusão independente,
além da grande imprensa. Advogados especializados foram acionados, como o Dr.
Orlando Cunha, criminalista, e o Dr. Davi Bittencourt, da FARC, para prestar
consultoria jurídica.
Os estudantes decidiram que a transmissão só será
retomada quando a Reitoria formalizar o apoio prometido pela chefe-de-gabinete.
Enquanto isso, no entanto, poderá ser feita a transmissão via Internet, numa
parceria que já vinha sendo articulada entre a Interferência, a Rede de Rádios
Livres (www.radiolivre.org) e o Centro de Mídia Independente -
CMI.
Taís Ladeira, representante da Associação Mundial
das Rádios Comunitárias e Cidadãs - AMARC - para a América Latina, afirma que a
situação das rádios livres e comunitárias não se alterou com o Governo Lula.
Segundo ela, a autonomia das agências reguladoras cresceu a tal ponto que o
próprio governo já não tem mais controle sobre a política nacional para as
rádios livres. As delegacias regionais do Ministério das Comunicações foram
todas fechadas na gestão FHC.
No III Fórum Social Mundial, em janeiro, a
Interferência foi uma das rádios livres que, junto com a Rádio Muda
(Campinas-SP) e outras, redigiram uma carta exigindo o fim imediato do
fechamento das rádios e a devolução dos equipamentos apreendidos. O documento
foi encaminhado para o Ministro das Comunicações, Miro Teixeira. As informações
são do Portal Comunique-se de 17/04/2003. |