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10/11/2002
“Um carro atravessado no meio da
pista. Não podia ser nada de mais”, lembra o major Erich Meier, que passou um
ano e dois meses integrando as Forças de Paz da ONU na Bósnia. “Eu estava
acostumado com essas situações no Brasil. Desci do carro em que estava e
caminhei em direção ao veículo atravessado no meio da estrada. Quando vi, já
estava tomado como refém. Levaram tudo o que tínhamos. Era meu terceiro dia na
Bósnia. No Brasil, eu nunca fui assaltado”.
O relato do major é mais do
que simplesmente curioso. “Na guerra, o único perigo não é só o conflito. Existe
roubo, existe crime também. Muita gente morre em situações como esta. O rádio da
viatura, o próprio carro, as roupas de frio, armas, mantimentos, dinheiro, tudo
passa a ter um valor muito maior”, alerta aos futuros jornalistas que talvez
desconheçam que em situações assim morrem muitos jornalistas ou profissionais de
entidades humanitárias, principalmente nos conflitos da África, simplesmente por
portar objetos de valor.
“A guerra é uma coisa ridícula, onde acontecem
coisas ridículas, onde regras são violadas, crimes são cometidos. Ninguém gosta
de estar numa guerra”, disse o major ao grupo de estudantes que muitas vezes
podem surpreender-se tendo visões românticas da cobertura de um
conflito.
Meier contou que, quando enviados para compôr uma Força de Paz,
os militares já passaram por muito treinamento e sabem perfeitamente os riscos
que estão assumindo e que atitudes devem tomar. “O jornalista deve tomar cuidado
porque, pode parecer redundante, mas uma região de conflito é perigosa”,
explicava o militar mostrando fotos de minas anti-pessoais enterradas no chão e
munições não detonadas, penduradas em árvores, ao alcance das mãos. “O capacete
não detém bala nenhuma, o colete não pára bala de fuzil, existem regiões
minadas, bombas não detonadas, enfim, não é um lugar agradável”.
Na
Bósnia, a função do major Meier era acompanhar, com colegas de diversos outros
países, o trabalho da polícia local e o cumprimento dos Direitos Humanos na
aplicação da lei. Ele relata, guardando segredos de detalhes considerados
confidenciais, que existiam violações de Direitos Humanos, discriminação de raça
e religião, e resistência ao trabalho dos observadores da ONU, num conflito que
tinha como alvo a população civil de lado a lado. “Nosso trabalho, enquanto
Força de Paz, era observar e relatar aos superiores”. Por não compôr mais as
Forças da ONU e por haver trabalhado com informações secretas, o major acabou
desconversando ou negando informações solicitadas pelos entrevistadores,
conforme orientação recebida por todos os militares que desembarcaram na Bónia,
entre 1992 e 1998. A coletiva ganhou ares realistas, com repórteres interessados
e uma autoridade impondo os limites.
“É bom que vocês saibam como é. O
militar é orientado a falar sobre coisas que sabe, não especular sobre o que não
sabe e não revelar informações secretas. Se esperam ter militares como fonte no
trabalho de vocês em regiões de conflito, saibam disso”, ensinou o
major.
Meier participa hoje, no Brasil, do programa de respeito às normas
de Direitos Humanos nas Forças Policiais, como membro da Polícia Militar do
Distrito Federal e da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça
junto ao CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha). |
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