|
10/11/2002
Os 15 estudantes que participam do II
Curso de Informação Sobre Jornalismo em Situações de Conflito Armado esperavam
um relato dramático do jornalista Ernesto Paglia, palestrante/entrevistado da
primeira manhã do curso, ao lado de Jean-François Olivier, representante do CICV
(Comitê Internacional da Cruz Vermelha).
Ouvir o testemunho de alguém que
cobriu Bósnia, Irã, Iraque, África do Sul, Paquistão e outros territórios de
conflito, terminaria em algumas histórias de bombas, tiros e explosões, pensavam
os estudantes. As bombas vieram – mas não de um lado, nem de outro do conflito –
e sim da própria imprensa.
Paglia fez uma análise bastante lúcida da
cobertura internacional das emissoras de televisão de todo o mundo, depois da
Guerra do Golfo. Com o crescimento da presença de grandes agências de notícias
e, principalmente, da rede de televisão norte-americana CNN, os repórteres
brasileiros que viajam para cobrir conflitos passaram a disputar com uma
concorrência quase invencível.
”Por mais que você seja competente e
esteja no local onde se desenrola o conflito, sua cobertura tende a ser menos
completa que a das grandes agências”, explica o jornalista. “Enquanto você viaja
com uma equipe, as agências e emissoras do primeiro mundo contam com grandes
times de repórteres e produtores. Quando alguém da CNN lê uma notícia sobre
guerra na televisão é porque uma equipe imensa de jornalistas apurou aquelas
informações e esta é uma concorrência invencível”.
Além das poderosas
agências e emissoras, Paglia contou casos curiosos de jornalistas independentes
que chegam antes que todos em uma região de conflito e passam a alugar seu
equipamento, tempo de satélite, mão-de-obra e tudo o que você necessitar. “São
verdadeiros mercenários, que vivem de viajar para os campos de batalha e
oferecer-se para trabalhar para diversos veículos”.
Paglia diz que, ainda
ssim, a Rede Globo é a emissora que mais investe na cobertura internacional,
mantendo duas bases permanentes no exterior, uma em Londres e outra em Nova
Iorque, além de enviar seus jornalistas para cobrir temas internacionais,
aproximando o enfoque das coberturas à realidade dos espectadores
brasileiros.
O jornalista deu um choque de realidade nos estudantes que
sonham em ser correspondentes. “É difícil cobrir o conflito porque custa caro, é
complicado do ponto de vista logístico, tem que justificar o não uso de
materiais de agências e tem que brigar por espaço no tempo de transmissão dos
satélites. Ainda assim, você corre o risco de, chegando no local, as autoridades
simplesmente darem o aviso de que nenhum jornalista pode sair do hotel por
questões de segurança”.
Os perigos da cobertura internacional começam nas
questões orçamentárias, mas não se limitam a assuntos de redação. “Temos que
usar capacetes, que não são feitos para parar balas. Temos que usar coletes à
prova de bala, com uma placa pesada de cerâmica no peito. Ainda assim, não se
está seguro. Um camera man, por exemplo, pode facilmente ser confundido, numa
distância de 50 metros, com um militar portando um lança mísseis como os que a
OTAN (Organização do Tratado do Atlântico) usa”. O major Erich Meier,
palestrante da tarde, já presente na sala, acenava positivamente com a cabeça
confirmado os temores dos estudantes que se imaginavam na situação de
Paglia.
Nem tudo é dificuldade na área em que Paglia trabalha. Os avanços
tencológicos, por exemplo, facilitam o trabalho de reportagem da televisão, que
com US$ 20 mil consegue por um repórter no ar, ao vivo, usando uma handcam,
laptop e celular mundial. Também os cursos de segurança para jornalistas que
cobrem conflitos ajudam a reduzir os riscos e o preço dos seguros pagos pelas
emissoras.
Sobre as dicas para uma boa reportagem, Paglia sugeriu
buscar fontes bem informadas, conhecer os costumes locais e saber palavras
chaves no idioma do país. É importante, segundo ele, saber que interesses estão
envolvidos na publicação de determinada informação. Neste sentido, ele vê o CICV
como uma fonte importante no campo de conflito, por estar presente em locais de
acesso muito difícil, ter informações de primeira mão – embora, muitas vezes,
sigilosas – e ter interesse totalmente humanitário em suas operações.
|
|