14/04/2014
O jornalista Bruno Paes Manso, que publica o blog “SP no Divã” no site do jornal O Estado de S.Paulo, foi o palestrante da sexta conferência de imprensa do 7º Curso Descobrir São Paulo - Descobrir-se Repórter do Projeto Repórter do Futuro, realizada na Câmara Municipal de São Paulo neste sábado. Durante os 80 minutos de sua fala inicial, Paes Manso detalhou aspectos da reportagem especial de seis páginas "Epidemia: o que 5 décadas de homicídios em São Paulo têm a ensinar", que publicou no caderno Metrópole do Estadão em 14 de outubro de 2012. A matéria foi resultado de pesquisa e apuração pessoal que o repórter fez durante 13 anos e conteúdo base para sua tese de doutorado no curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo.
Paes Manso disse aos estudantes que o papel do jornalismo é contribuir para o equilíbrio entre os poderes e o exercício da cidadania. "Nossa missão é apontar problemas existentes nos poderes e nas instituições. Isso quer dizer olhar com viés crítico e fundamentar as reportagens com apuração rigorosa. Um simples erro de imprensa pode comprometer a credibilidade tanto do repórter como do veículo em que trabalha", afirmou.
Para o jornalista, a lógica competitiva das empresas jornalísticas desafia o repórter trabalhar com agilidade sem perder o foco na precisão das informações. "Infelizmente ainda não podemos dizer que erros como o da Escola Base (caso ocorrido há vinte anos em que proprietários de uma escola privada de educação infantil foram acusados de abusar sexualmente de crianças por pais de alunos e cujas investigações viraram um espetáculo midiático protagonizado pelo delegado responsável e, posteriormente, foram inocentados pela Justiça depois de a escola ter sido obrigado a fechar as portas) não se repetirão. Quando ocorre um furo de reportagem pelo veículo concorrente é normal o jornalista ser pressionado para obter informações que permitam ao jornal recuperar-se da desvantagem. Nessa hora é muito difícil o repórter sozinho resistir à obrigação de publicar. E, muitas vezes, acaba amplificando uma cobertura que começou inconsistente e está fadada a produzir erros que terão consequência sobre a imagem de instituições e a vida de pessoas que mais tarde se descobrirá eram inocentes." Para prevenir desvios como o apontado no exemplo, segundo Paes Manso, é preciso que tanto o repórter como seu editor sejam capazes de enferentar as pressões e convençam o veículo de que não deve embarcar numa cobertura sensacionalista motivado pela lógica concorrencial.
Formado em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e em jornalismo pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), Bruno Paes Manso trabalhou por dez anos como repórter de O Estado de S. Paulo. Atuou na revista Veja e nos jornais Folha da Tarde e Folha de S. Paulo. Concluiu o mestrado e doutorado no departamento de Ciências Políticas da USP, onde pesquisou o crescimento e a queda dos homicídios em São Paulo. É autor do livro O Homem X - Uma reportagem sobre a alma do assassino em SP, que ganhou na categoria melhor livro-reportagem o 28º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em 2006. Atualmente faz pós-doutorado no Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Debate público
Respondendo aos estudantes, o jornalista alertou para o fato de que a cobertura crítica da imprensa quase sempre é mal recebida por instituições como a polícia – por ela não entender que a defesa de valores como a proteção de todo e qualquer cidadão de atos de violência por parte de agentes do Estado é um direito fundamental garantido pela Constituição. "Sempre tenho de explicar que defender os direitos humanos não significa defender 'bandidos', como alguns costumar se referir ao trabalho dos jornalistas", explicou.
O embate a que ele se refere teve um novo episódio na quinta (10/4), quando publicou um post em seu blog respondendo a uma nota oficial da Polícia Militar paulista que o ataca de forma virulenta por ter feito críticas à corporação. No texto, Paes Manso rebate as afirmações e diz entender a resposta oficial como um convite público ao debate. "Finalmente, para encerrar, no final do ano passado, quando estive falando com policiais militares em um seminário sobre os protestos de junho, eles disseram que este ano haveria um debate sobre a desmilitarização da PM. Eu entendi na época que tinha sido convidado, postura, aliás, que me pareceu altamente positiva e democrática. Se o convite e os planos permanecerem de pé, podem contar comigo no debate.
Leia o post "Em nota ao UOL, a PM chamou a sociedade para o debate. Eu, humildemente, aceito o desafio", clicando neste link.
Ameaças a jornalistas
Perguntado se o trabalho investigativo na área de segurança pública já fez com que recebesse ameaças de morte, Bruno Paes Manso disse que não. "Hoje, receber ataques públicos pelas redes sociais é mais comum para quem faz jornalismo crítico. E, claro, processos judiciais que visam intimidar por causa dos gastos que se tem com defesa e uma evntua condenação em última instância. Mas hácasos como do jornalista André Caramante, que teve de sair do país em 2013 para proteger a si próprio e à família. Para defender a profissão e fortalecer o jornalismo comprometido com valores e o interesse público, integro um coletivo com mais 12 colegas que em breve lançará um projeto de cobertura de segurança pública e direitos humanos."
Na semana passada, a rede britânica realizou o seminário internacional Making the Protection of Journalists a Reality: Time to End Impunity (Tornando realidade a proteção a jornalistas: Hora de pôr fim à impunidade), na cidade de Londres em que discutiu casos de jornalistas assassinados ou ameaçados devido a seu trabalho. Os jornalistas brasileiros André Caramante, Marcelo Moreira, da TV Globo e diretor da Abraji - Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, e Ricardo Gonzalez, da ong Artigo 19, foram convidados a relatar sua experiência nesse campo no evento de um dia realizado na segunda (7/4).
Na sexta-feira (11/4), a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República lançou o relatório do Grupo de Trabalho (GT) “Direitos Humanos dos Profissionais de Comunicação no Brasil” em reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que completa 50 anos em abril.
Para baixar e ler o relatório “Direitos Humanos dos Profissionais de Comunicação no Brasil”, clique neste link.
Sobre o curso
O curso, de complementacão universitária em jornalismo e gratuito, é realizado em parceria pela Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo, OBORÉ Projetos Especiais e Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Conta com o apoio do SINPRO/SP – Sindicato dos Professores de São Paulo, Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Cátedra UNESCO de Comunicação, Hospital Premier/MAIS – Modelo de Atenção Integral à Saúde, NH Photos/Nivaldo Silva, IPFD – Instituto de Pesquisa, Formação e Difusão em Políticas Públicas e Sociais, e da coordenação dos principais cursos de Jornalismo de São Paulo, além das revistas Samuel, Brasil Atual, Caros Amigos, Fórum, Imprensa, Le Monde Diplomatique Brasil, Piauí e do blog O Xis da Questão – Mídia, Jornalismo e Atualidade, do Prof. Manuel Carlos Chaparro.
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