Na Sessão Averroes, "Intocáveis" provoca reflexão sobre o papel do "cuidador" Texto e fotos: João Paulo Brito
27/03/2014
“Insuportável, vaidoso, orgulhoso, brutal e inconstante”. Com estas palavras Philippe Pozzo di Borgo, que ficou tetraplégico após sofrer um acidente de parapente, descreveu seu cuidador Abdel Sellou no livro “O Segundo Suspiro”.
Apesar da incompatibilidade da função médica com os adjetivos atribuídos a seu enfermeiro, Philippe conclui: “Sem ele, eu estaria morto por decomposição”.
A obra baseada na história real do milionário francês que tem sua vida transformada com a chegada do senegalês residente da periferia parisiense foi a inspiração para François Cluzet fazer o filme “Intocáveis”, que, em 2011, angariou duas das principais premiações francesas alcançando a segunda maior bilheteria histórica no país.
Por sua vez, a provocação ao estereótipo do tradicional cuidador sublinhada no jeito inconveniente do personagem “Driss”, apresentado comicamente no longa francês, foi a inspiração para a SESSÃO AVERROES de março, realizada nesta quarta (26), na Cinemateca Brasileira.
A Mesa de Reflexão, realizada na sequência, contou com a presença da médica fisiatra Liliana L. Jorge e do artista educador Arthur Amador, sob a mediação da terapeuta ocupacional Marília Othero.
“Estamos acostumados a catequizar a família sobre como cuidar e lidar com o paciente, mas de uma forma paternalista, quando, às vezes, como o filme nos mostra, o paciente quer ser tratado de forma igualitária, não com piedade ou compaixão”, explica Liliana, ainda ressaltando a dificuldade para alcançar o “ponto ideal” em cada caso.
Com larga experiência com equipes de reabilitação, a fisiatra explica que a lesão medular (o trauma apresentado pelo personagem Phillipe) é o processo mais brutal e chocante. “Porque a pessoa está com a cognição plenamente preservada, mas ela perde totalmente as ferramentas que tem para interagir com o mundo que são seus braços e suas pernas”, afirma Liliana.
Outra mazela crônica, porém, também pode ser percebido, segundo a médica, no outro protagonista do filme, o “Driss”: “Ambos são deficientes: um é deficiente físico e o outro é deficiente social”.
Talvez justamente por conta de sua exclusão socioeconômica, o personagem se mostra indiferente quanto aos limites da etiqueta social, fato que, para Arthur Amado, torna-o livre para lidar de forma desinibida em quase todas as ocasiões.
“Acho que falta em nosso dia a dia este humor para lidarmos com as situações cotidianas. Nos acostumamos a viver numa sociedade podada, onde sempre pensamos várias vezes na melhor forma para termos certas atitudes”, ressalta o educador.
Para o artista, a principal mensagem do filme é arriscar ser quem somos e fazer o que pensamos sem o medo de sermos mal interpretados.
A mediadora Marília Othero está de acordo: “Buscamos tanto a vida cumprida que esquecemos a vida larga”.
Segundo a terapeuta, o grande desafio das equipes de reabilitação é manter o paciente bem, de uma forma que ele sinta respeito e afetividade na relação com seu cuidador.