27/01/2014
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo foi eleita Personalidade de 2013 pelo júri do Prêmio Faz Diferença, promovido há 11 anos pelo jornal O Globo. Participaram da seleção Aluizio Maranhão, Ancelmo Gois, Ascânio Seleme, Merval Pereira e Míriam Leitão (O Globo); e o presidente em exercício da Firjan, Carlos Mariani Bittencourt. Leia abaixo a notícia completa publicada em caderno especial do jornal O Globo que circulou no dia 25 de janeiro de 2014 e a entrevista com o presidente no biênio 2014-2015, José Roberto de Toledo.
Veja aqui o site oficial da premiação com os vencedores de todas as categorias:http://fazdiferenca.oglobo.globo.com/
Personalidade 2013 - ABRAJI
Começou com uma troca de emails e uma salinha dentro de uma universidade. Continuou com a realização de cursos e palestras. Acabou sendo uma das principais impulsionadoras da aprovação da Lei de Acesso à Informação Pública, além de ter tido papel essencial na proteção de profissionais da imprensa, durante os protestos do ano passado nas ruas do país. Criada no início de 2003, a partir da conversa informal de um grupo de jornalistas, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) foi a vencedora do Prêmio Faz Diferença na categoria Personalidade do Ano, ao contribuir para a liberdade de expressão e de informação no país. Faz ainda mais sentido o prêmio diante do contexto nacional e mundial de pressões pelo cerceamento dessas liberdades. Mesmo em países onde a democracia tem longa história, surgem obstáculos ao trabalho da imprensa. Chama a atenção o que se passa na Inglaterra, em que um órgão regulador externo às redações poderá estabelecer pesadas multas às empresas por supostos erros jornalísticos, eficaz mecanismo de indução à autocensura. O prêmio é concedido, de forma sugestiva, num ano de eleições, sempre um espaço aberto ao debate sobre o que se pretende para o país, um inventário dos riscos e oportunidades. O trabalho da Abraji simboliza, ainda, o esforço de constante aperfeiçoamento do jornalismo profissional brasileiro, para exercitar da melhor maneira possível a liberdade de imprensa como estabelecida na Constituição.
Com cerca de seis mil jornalistas e estudantes treinados, oito congressos realizados e em torno de dois mil profissionais que já se associaram, a Abraji começou a ser idealizada no fim de 2002, quando um grupo de 45 jornalistas de veículos de vários locais do país iniciou uma troca de ideias por e-mail sobre a possibilidade de se criar, no Brasil, uma entidade nos moldes da americana Investigative Reporters & Editors (IRE), dos anos 1970. Organizaram, então, um seminário para o qual foram convidados representantes dessa instituição. Também começou aí o apoio dado até hoje pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.
O primeiro endereço da entidade foi uma sala na USP. Hoje, a associação tem uma sede em São Paulo, com apenas dois funcionários, já que a diretoria e a presidência são funções voluntárias, não remuneradas.
Na época da criação da entidade, a sociedade e, sobretudo, a classe jornalística estavam sob o impacto do assassinato do repórter Tim Lopes. Foi nesse clima que se deram as primeiras ações da então recém-fundada associação.
— O que deu a partida na ideia da Abraji foi o assassinato do Tim. Quando ele foi morto, foi uma comoção, uma indignação. Mas vimos que não adiantava só ficar indignado; vimos que tínhamos de construir algo a partir disso — lembra Marcelo Beraba, que então lançou a ideia numa lista de emails de jornalistas; além de fundador, ele acabou se tornando o primeiro presidente da Abraji.
—Quando Tim morreu, vimos que algo estava muito errado com o planejamento da segurança para os profissionais, pois não se podia dizer que ele não era um jornalista experiente, além de ser de uma grande empresa — conta Marcelo Moreira, outro ex-presidente. — A origem da IRE também se baseou no assassinato de um jornalista, morto, aliás, no mesmo dia do Tim, 2 de junho.
Após Beraba, veio a gestão de Angelina Nunes, hoje integrante do Conselho Curador do Fundo de Endowment da Abraji, ao lado dos outros expresidentes e do atual, José Roberto de Toledo.
— Um dos objetivos da Abraji é compartilhar conhecimento, com os cursos de RAC (sigla para reportagem com auxílio de computador) em redações e os congressos, por exemplo. São encontros entre profissionais com muitos anos de atividade e novatos, de veículos e mídias diferentes, de cidades de dentro e de fora do país — sublinha Angelina. — Lembro que num dos congressos, em Belo Horizonte, conheci uma excelente reportagem feita em Manaus que não chegou a ser veiculada em outras capitais, e eu não saberia dela se não estivesse naquele encontro. Estamos também estreitando as relações com as universidades: lançamos este ano uma pós-graduação em jornalismo investigativo em parceria com a ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), no Rio.
Além da segurança para o exercício do jornalismo e da qualificação dos profissionais da área, a entidade se estabeleceu como defensora do direito à informação não só para a imprensa, mas para a sociedade em geral. Foi esse o tom dado pela gestão do terceiro presidente da associação, Fernando Rodrigues. Nesse período, a entidade foi uma das principais apoiadoras da Lei de Acesso à Informação Pública, de 2011.
—Fizemos forte campanha pela Lei de Acesso. Hoje, a lei é uma realidade e uma potente ferramenta, não só para jornalistas, mas de cidadania, para qualquer interessado em dados públicos — ressalta Rodrigues. — Às vezes acho que a Abraji é quase um milagre. Nós, jornalistas, somos seres não gregários, sempre competitivos e avessos a trocar experiências. Só que a causa era muito boa, e a Abraji deu certo. E a entidade é uma “flor da democracia”: não teria sido possível criar uma Abraji na ditadura militar. Nesse sentido, ela é um dos sinais de que o Brasil deseja aperfeiçoar suas instituições.
Destacando as parcerias que a Abraji sempre se propôs a fazer, com universidades, veículos de comunicação e sindicatos, Beraba cita esse como um dos motivos para o êxito de uma entidade que já completa uma década. Outra razão estaria na oxigenação do grupo, diz, com um formato que inclui renovação frequente da diretoria e da presidência (eleitas a cada dois anos).
A preocupação em ter uma diretoria com representatividade nacional, com profissionais de todas as regiões do país, e também que seja composta por jornalistas de vários tipos de mídia, é outro motivo para a Abraji ter dado certo, aponta Marcelo Moreira, último presidente da entidade antes do atual.
À frente da Abraji em 2012 e 2013, Moreira enfocou, na entidade, a preocupação com aquilo que tinha inspirado o início da associação, a segurança no exercício da profissão — ele tinha sido chefe de reportagem de Tim Lopes. E estava na presidência da Abraji no ano em que estouraram as manifestações pelas ruas do país.
—A associação acabou sendo essencial na identificação dos casos de agressão a jornalistas que cobriam os protestos. Fez um relatório apontando que 70 de 113 casos de violência contra jornalistas nas manifestações haviam sido intencionais; dos 70, 55 tinham vindo de policiais militares — diz Moreira.
Hoje, além de instrumentos como a RAC e o uso da Lei de Acesso, a entidade vem estimulando — e ensinando em seus congressos, como o que fará em julho deste ano, em São Paulo, na 9ª edição do evento — a prática de técnicas como o chamado jornalismo de dados. A expressão define o trabalho jornalístico baseado não só no acesso a dados, mas na sua organização e na interpretação. Num tempo de informação produzida e compartilhada por todos e para todos nas redes sociais, tais técnicas seriam uma forma de o jornalismo continuar fazendo diferença, diz o presidente José Roberto de Toledo:
— Assim como foi pioneira, antes, no ensino da RAC, a Abraji agora está trazendo essa preocupação com o jornalismo de dados, com a qualidade da apuração jornalística que pode vir daí.
Ninguém faz nosso papel de seleção e de conexão da informação
(Entrevista com presidente da Abraji em 2014-2015, José Roberto de Toledo)
O principal modelo para a Abraji foi a Investigative Reporters & Editors (IRE). Que características da IRE mais inspiraram a associação?
A estrutura, um modelo em parceria com universidades. É uma relação ganha-ganha, entre profissionais nas redações e gente que está estudando. Outro ponto em que nos inspiramos foi a ideia de congressos anuais como principal fonte de renda (com as inscrições nos eventos). E também houve o foco na qualificação por cursos de RAC (reportagem com auxílio de computador). Trouxemos os primeiros cursos de RAC ao Brasil, com apoio do Centro Knight (para o Jornalismo nas Américas), um grande parceiro. O Centro Knight deu apoio à criação de entidades nos moldes da IRE em outros países latino-americanos, depois do Brasil, que foi o pioneiro com a Abraji. Acabamos sendo, na região, referência na área.
Qual a principal marca que a Abraji tem deixado?
Ela é uma criação coletiva que tem dois eixos. Primeiro, ser um ambiente de troca de experiências e conhecimento, com cursos, congressos, treinamentos. Segundo, defender o direito à informação, o que passa tanto por defender o trabalho da imprensa quanto pela defesa do acesso à informação. Ao lado da Transparência Brasil, fomos os que mais pressionamos pela Lei de Acesso à Informação. Ainda em 2004, fizemos um seminário para discutir esse tema, e depois se levou isso a Dilma (Rousseff) quando ela ainda era chefe da Casa Civil.
Como avalia a segurança para o jornalista hoje, questão que motivou a criação da Abraji?
Infelizmente, as estatísticas mostram ainda um número alto de ameaças e atos violentos contra jornalistas no Brasil. Talvez porque hoje se sabe mais desses eventos. A denúncia sistemática, por entidades como a Abraji, estimulou mais gente a falar, sobretudo no interior. Há uma rede informal que capta e repercute denúncias. É difícil avaliar se cresceu ou não o risco, mas há hoje maior preocupação com isso.
Numa época de redes sociais e grande volume de dados na internet, como a Abraji pode auxiliar na qualidade da informação jornalística?
É uma revolução digital que afeta o modelo de negócios até então pensado para o jornalismo. Não achamos que o jornalismo em si esteja em crise, mas, sim, o modelo de funcionamento. Hoje, qualquer cidadão gera informação. Antigamente, havia escassez de dados, tínhamos de achá-los; hoje, há abundância. Estima-se que são gerados por dia, no mundo, 2,5 quintilhões de bytes. Que papel sobrou para nós? Selecionar e conectar, contextualizar os dados, por reportagens aprofundadas. Aí entram técnicas de jornalismo de dados, que atendem essa demanda por informações de qualidade; esse será um dos eixos do congresso deste ano. Ninguém faz esse papel que a gente faz, de seleção e de conexão da informação. |