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09/12/2010
O Brasil que chegará ao ano de 2040 com a maior parte de sua população na faixa dos 50 ou mais anos de idade tem um grande desafio para os próximos anos: construir políticas públicas que assegurem qualidade de vida a esta parcela da população. E isto considerando não somente as questões de saúde, mas também de alimentação, trabalho e renda, seguridade social, moradia, meio ambiente, transporte, cultura e lazer.
Para construir uma agenda e organizar uma prática que possa ser transferida e transportada para a formação de pessoas e para a administração pública, especialistas de diversas áreas reuniram-se no dia 24 de novembro em encontro promovido pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), em parceria com o Núcleo de Ensino e Pesquisa do Grupo MAIS - Modelo de Atenção Integral à Saúde, que reúne empresas como Hospital Premier, São Paulo Internações Domiciliares e Proativa Saúde.
O segundo debate de uma série de 12 encontros do ciclo “Idosos do Brasil: Estado da Arte e Desafios” contou com a presença de Solange Kanso, da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), e de José Luiz Riani Filho, médico, professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) em Rio Claro (SP), além do médico David Braga Júnior, coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas do Grupo MAIS.
“São 5.645 cidades do Brasil que precisam se organizar para atender à população”, lembrou David Braga, coordenador da mesa, destacando aos participantes a necessidade de que sejam feitos investimentos não somente de recursos financeiros, mas também de conhecimento e a reorganização de estruturas.
O debate, contextualizou David Braga, parte do princípio de que o tempo age contra a autonomia e a independência das pessoas a partir dos 60 anos. “O tempo continua o mesmo. No entanto, a partir dos 70 anos, a velocidade da fragilização aumenta muito. No intervalo entre a independência total, os fatores de ordem social e biológica permitem que o indivíduo permaneça independente por mais tempo”.
Sobre a dependência, aliás, alguns números trazidos por Solange Kanso: em 2008, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 15,2% dos idosos não eram capazes de realizar, sem ajuda, atividades diárias como comer ou ir ao banheiro. Além disso, 70% não estavam no mercado de trabalho e 76,9% recebiam benefícios de seguridade social. Entretanto, aproximadamente 21% dos lares brasileiros ainda eram mantidos por idosos, e entre os que dividiam suas casas com filhos (42,9%) ou netos (15,8%), sua contribuição era a responsável por 54,8% do orçamento familiar.
“A renda do idoso não apenas contribui, mas é fundamental em boa parte dos lares. Ela garante o apoio para filhos e netos que se casam mais tarde, saem mais tarde, se separam, retornam com os netos, que tem dificuldades em arrumar o primeiro emprego”, explicou a pesquisadora do IPEA. A contribuição dos benefícios é ilustrada por outro indicador, o que considera a proporção da população pobre, por faixa etária e sexo, desconsiderados estes rendimentos. Na faixa de 20 a 50 anos, ela corresponde a aproximadamente 30% do total da população, mas se eleva conforme aumenta a idade de cada grupo, atingindo a casa dos 70% entre os idosos que tem mais de 75 anos.
Neste sentido, avançou Riani, as políticas assistencialistas tem feito a diferença. “O benefício de prestação continuada, por exemplo, é muito criticado, mas fundamental e um resgate de direitos. Ou vai dizer que quem nunca teve registro da Previdência Social não construiu esse País só por nunca ter contribuído?”, questionou.
A saúde do idoso
Embora nos últimos 30 anos o Brasil tenha registrado um incremento significativo na esperança de vida, verifica-se entre os idosos uma maior prevalência de doenças crônico-degenerativas, como hipertensão, coronopatias, diabetes e enfermidades neuropsiquiátricas, dentre as quais depressão, Alzheimer e Parkinson, que exigem uma atenção integral a esta parcela da população.
Riani lembrou que, além de fatores genéticos e ambientais, também questões de ordem ocupacional determinam a qualidade e a velocidade do envelhecimento. “Lanço, aliás, uma proposta: um projeto para encontrar doenças ocupacionais na população aposentada. Nós vamos encontrar câncer ocupacional, doenças respiratórias, osteomusculares, hepáticas, neurológicas, porque estas pessoas se aposentam e quando vão ao médico informam que sua profissão é aposentado”.
O médico falou ainda sobre para a parcela de idosos que desenvolvem um projeto-doença para voltar à agenda da família e da sociedade. “Tem a consulta, e o retorno da consulta, e os exames, e tem que buscar os resultados dos exames, e tem que tomar remédio. E nem que seja para alguém brigar porque não tomou o remédio, pelo menos alguém falou com ele”.
Neste sentido, importante destacar que a organização dos serviços de saúde e o controle das doenças crônicas tem o poder de retardar e até mesmo postergar a escala de envelhecimento. “ É neste nível que vamos refletir: como as instituições podem apoiar iniciativas que permitam a manutenção da autonomia dos idosos para fazerem o que desejam, gostam e podem. Para que isso ocorra, a abordagem desses problemas deve ser encarada de forma interdisciplinar”, explicou David Braga.
As instituições de longa permanência
Embora a legislação brasileira atribua à família o cuidado com os idosos, é sobre a mulher, a principal cuidadora, que recai esta responsabilidade. Quando a esta mulher trabalha fora, muitas vezes é necessário delegar este cuidado a outras instituições e em muitos casos recorre-se às instituições de longa permanência.
Para desvendar a natureza das instituições em funcionamento no País, o IPEA realizou entre 2006 e 2009 um levantamento com 3.548 serviços que atendem a 100 mil pessoas, dos quais 12% tem menos de 60 anos. A investigação, afirmou Solange, constatou que os estabelecimentos, concentrados em apenas 29% dos municípios do País, estão com 90% de seus leitos ocupados.
Historicamente, lembra Solange Kanso, as instituições de longa permanência são vistas como lugares de exclusão, dominação, isolamento e até mesmo um lugar para morrer. Além disso, para as famílias, a internação de seus idosos é encarada como abandono. “O cuidado com os idosos está sendo transferido para outras esferas, em função de mudanças nos arranjos familiares e da ausência de um sistema formal de suporte que incorpore a família à comunidade”, completa.
Políticas públicas: modo de fazer
Não só pelo seu crescimento frente a outros grupos populacionais, mas também pela sua fragilidade, a população idosa carece de atenção especial. É neste sentido, afirma o médico José Luiz Riani Costa, que se justifica a necessidade de um conjunto de políticas públicas específicas para assegurar alimentação, moradia, saneamento, meio ambiente, trabalho e renda para esta parcela da população.
O Brasil, destaca Riani, tem como referência o Estatuto do Idoso (Lei 10.741 de 1 de outubro de 2003), que assegura todas as oportunidades e facilidades para a preservação de sua saúde física e mental, aperfeiçoamento intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. “Este é um bom horizonte para a gente pensar em políticas públicas”.
Um dos principais desafios, neste sentido, é a inclusão dos idosos na vida da cidade. “O alcance da política tem que ser o CEP de cada indivíduo, no endereço das pessoas. Tem bairros da cidade em que mais de 50% da população é idosa. Há uma intersecção de espaços que precisam ser reinterpretados”, reforça David Braga.
Neste sentido, destaca-se a experiência de Riani no processo de formulação da Política do Idoso em Rio Claro (SP), que em 2004 culminou na aprovação da Lei 3.498. Atualmente, além de orientar estruturas como a do Programa Saúde da Família para o atendimento a esta parcela da população, o município também conta com uma rede estruturada de Centros de Referência e também se ocupa em construir materiais específicos para os cuidadores.
“Temos pensado muito nas ações que podem tirar o idoso dessa condição de estrangeiro em sua própria cidade. Por exemplo, promover um resgate da memória que estas pessoas tem sobre o lugar em que vivem. E também em como descentralizar as atividades. Uma prioridade é assegurar o atendimento não-asilar, por meio dos Centros de Convivência e Centros-Dia”.
Para construir uma política municipal, é importante que se identifique o perfil de quem frequenta e não frequenta os espaços públicos e os programas. Afinal de contas, há uma população idosa oculta, desconhecida, por medos, falta de companhia, localização dos equipamentos, disponibilidade do acesso ao transporte público. Outra necessidade, destacou Riani, é que se construam as leis de acordo com a realidade a que se referem, com a participação do conselho e a realização de conferência municipal.
No que se refere a financiamento, outro ponto tocado pelos especialistas foi a origem dos recursos financeiros necessários. “Por que não criar linhas de financiamento para desenvolver macropolíticas que beneficiem a população idosa? Se o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) financia até pousada! Criar uma linha de financiamento para estas ações é algo factível com realidade do nosso país”, destacou David Braga.
Mais sobre o ciclo de debates
Criada por meio de parceria entre o Centro de Ensino e Pesquisa do Grupo MAIS e o Instituto de Estudos Avançados da USP, a série “Idosos do Brasil: Estado da Arte e Desafios” é composta por 12 mesas redondas em torno da qual se articulam especialistas interessados em contribuir para a construção de uma atenção contínua e eficaz para saúde e o bem-estar da população idosa.
Sergio Gomes, diretor da OBORÉ, uma das entidades articuladoras e apoiadoras do ciclo, explica que este é um projeto cuja construção já começa coletiva, reunindo representantes do Grupo MAIS e profissionais oriundos de diversas instâncias do poder público, e que pretende construir uma agenda propositiva para a atenção à pessoa idosa.
“Depois desta etapa, que deve durar até agosto de 2011, partimos para o desafio que é construir uma agenda que melhore a qualidade de vida dos idosos, levando em conta o paradigma da capacidade funcional que sustenta a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa: como manter as condições de independência e como evitar as condições de fragilidade para esta faixa populacional?”, esclarece David Braga.
PARA SABER MAIS
Textos de referência
• Legislação
Constituição Federal
Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (Portaria 2.528 de 19 de outubro de 2006)
Estatuto do Idoso
• Características das Instituições de Longa Permanência para Idosos
Região Norte
Região Nordeste
Região Sul
Região Centro-Oeste
• Instituições realizadoras
Instituto de Estudos Avançados da USP
Grupo MAIS
OBORÉ Projetos Especiais em Comunicações e Artes
• IBGE - CENSO 2010
Brasil – pirâmide etária por sexo (Censo 2010)
VEJA TAMBÉM
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