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  Especialistas discutem bioética no 3º Ciclo de Cinema e Reflexão
Luisa Purchio. Foto: Nivaldo Silva.
  23/09/2010

Luciana Gabardo, relações públicas, tinha 13 anos quando uma úlcera nervosa prejudicou seu estômago. A vida estava difícil, seus pais se separavam e problemas financeiros desestabilizavam a casa. Foram cerca de três litros de sangue vomitados. Ao chegar ao hospital, sua mãe conversou com os médicos, que lhe receitaram medicações. Ela logo pôde ir para casa, onde percebeu que o tratamento que recebeu não foi tão eficaz. A pressão familiar que Luciana sofria não estava curada, tampouco sua úlcera. “Em nenhum momento, enquanto eu estive internada, alguém me perguntou o que estava acontecendo comigo”, diz Luciana. “O que eu menos vejo, em todos os discursos médicos, é uma preocupação com o que o paciente pensa.”

A história de Luciana se repete na vida dos milhares de pacientes que realizam tratamentos médicos, estão em leitos hospitalares ou em situação de terminalidade. “Infelizmente, isso é muito mais presente do que nós médicos gostaríamos de admitir, ainda estamos muito longe do ideal”, diz Dalva Matsumoto, médica oncologista e paliativista. “Quando a gente fala da autonomia, de respeitar o outro, nós temos que fazer valer essa autonomia. Não podemos falar da boca para fora”.

De que forma a família e, principalmente, os médicos de um paciente devem agir no momento em que uma doença é detectada? E na situação de terminalidade? É possível suspender os tratamentos médicos e deixar a morte acontecer naturalmente? Que parâmetros éticos norteiam uma decisão relacionada à saúde de outro ser humano?

Esses foram os temas discutidos na Sessão Averroes – Cinema e Reflexão, realizada no último dia 17 de setembro, na Cinemateca Brasileira, como parte das atividades do 3º Ciclo de Cinema e Reflexão Aprender a Viver, Aprender a Morrer. O debate contou com a participação de especialistas da área da bioética, que desenvolveram a discussão a partir do longa ‘Uma Prova de Amor’, de Nick Cassavetes (EUA, 2009).

No filme, a jovem Kate possui leucemia. Diante do quadro, sua mãe Sara e seu pai Brian fazem de tudo para reverter a doença da filha, até que os tratamentos cessam e um médico os aconselha a fazer fertilização in vitro para que um segundo filho ajude a irmã com doações. Nasce Anna que, aos 11 anos, já havia passado por oito procedimentos cirúrgicos, até que chega o momento de ter que doar um rim para Kate. A jovem não aceita e contrata um advogado para mover uma ação contra sua mãe, também advogada, a fim de conseguir na justiça sua emancipação médica.

De acordo com José Henrique Rodrigues Torres, juiz da 1ª Vara do Júri da Comarca de Campinas e professor de Direito Penal, Anna não teria de forma alguma responsabilidade pela morte de sua irmã Kate, sob o aspecto jurídico brasileiro.  Em sua explicação, o juiz abordou inúmeras possibilidades de contestação da culpa da jovem, tanto sob o aspecto do direito civil quanto do penal. “Eu poderia ficar a noite toda aqui abordando essas questões jurídicas. Mas eu descobri que isso seria totalmente ineficaz, desnecessário, descabido, inadequado e inconveniente até”, diz Torres. “As questões suscitadas desse filme não são de ordem técnico jurídica, mas dizem respeito à compreensão humana”.

O drama mostrado no filme não está centralizado em Anna, mas sim na aceitação dos familiares de Kate quanto às limitações de cura e à possibilidade da morte da menina. Na palestra, o juiz Torres citou inúmeros exemplos da literatura que tratam deste tema, entre eles, um poema de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa: “Não: Não quero nada. Já disse que não quero nada. Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer (...). Deixem-me em paz!  Não tardo, que eu nunca tardo... E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio, quero estar sozinho!”

De acordo com Mariângela Petrosino, bióloga com pós-graduações na área de bioética, cuidados paliativos, responsabilidade social e saúde, inúmeras questões abordadas no filme dizem respeito à bioética, como a manipulação da vida a partir da fertilização in vitro, a autonomia de Kate e Anna, o silêncio frente à doença, a relação entre o médico, o paciente e a família, a futilidade terapêutica e os tratamentos paliativos. “Nos últimos anos, veio se desenvolvendo a tecnologia, mas nosso entendimento humano não”, diz Mariângela. “A bioética é uma resposta social. Ela oferece valores que vem da própria sociedade a um tratamento ou processo”.

A questão dos tratamentos médicos em situações de terminalidade e doença sem cura é um assunto bastante polêmico que está em fase de debate e de construção de conceitos concretos no Brasil. Um estudo feito por Ricardo Tavares de Carvalho, médico cardiologista especialista em bioética e também paliativista, aponta que 92% dos pacientes internados em uma determinada Unidade de Terapia Intensiva (UTI), submetidos à alta dose de tratamentos e medicamentos, não tinha chance de sair da UTI vivos, de acordo com os médicos que acompanhavam os casos.

Para David Braga Júnior, médico especializado em clínica médica, administrador público com especialidade em Planejamento Estratégico para Ações de Governo e um dos curadores da sessão Averroes, esta situação gera dois grandes problemas. O primeiro deles está relacionado ao financeiro, pois submeter a intensos tratamentos médicos um doente sem cura, além de abaixar a sua qualidade de vida, gera um alto custo para o sistema público e privado de saúde. “Isso tira das pessoas com mais idade e mais problemas a oportunidade de se sustentar financeiramente no sistema”, diz David.

A segunda dificuldade, segundo David, é a judicalização da decisão quanto ao futuro do paciente. Atualmente, há um grande número de internações por decisão judicial. “Essa história que o juiz pode decidir torna o médico muito mais irresponsável e aproveitador dessa situação, principalmente quando há interesses econômicos por trás disso”, diz David. De acordo com Dalva Matsumoto, “isso acontece porque é mais fácil o médico pedir assistência jurídica, para não perder tempo”.

Ortotanásia

Ao final do debate, a legalização da ortotanásia – termo que define a morte natural sem a interferência de tratamentos médicos aos pacientes sem chance de cura - foi levantada pelo jornalista Oswaldo Colibri Vitta, que estava na plateia.

Atualmente, a regulamentação deste procedimento, que havia sido extinto em 2007 pela justiça, foi revista e aguarda decisão do Ministério Público Federal. (clique aqui para mais informações sobre o tema).

Colibri perguntou o que aconteceria se um paciente dependente de uma máquina para sobreviver decidisse ter o seu aparelho desligado, para deixar a morte ocorrer naturalmente – caso que ocorreu com o papa João Paulo II.

De acordo com o juiz José Henrique Torres, a ortotanásia é um procedimento perfeitamente lícito e que está próximo da legalização. Para ele, o “desligar da tomada” deve ser feito pelo médico, em uma decisão conjunta com a família e o paciente. “O deixar morrer não é matar. E nós estamos em um momento em que essa questão vai ser absolutamente tranqüila dentro do sistema médico.”

Para a bióloga Mariângela, este procedimento é aceitável desde que vá de encontro com os valores da família, que precisam ser revistos pelo médico. Porém, esta é uma questão delicada, pois há uma deficiência no sistema de saúde que diz respeito à constante troca de médicos e à falta de uma integração entre os profissionais de uma equipe multidisciplinar. “Com isso [grande troca de médicos], a vontade de compartilhar a própria história vai se perdendo. A família só vai poder escolher [a ortotanásia] ao longo de todo o processo da doença.”

Depoimento em vídeo de Dalva Matsumoto

Depoimento em vídeo de José Henrique Rodrigues Torres

Depoimento em vídeo de Mariângela Petrosino

Cobertura completa do Ciclo

3º CICLO DE CINEMA E REFLEXÃO APRENDER A VIVER, APRENDER A MORRER


Na foto, da esquerda para a direita: José Henrique Rodrigues Torres, Dalva Matsumoto e Mariângela Petrosino

 
 
 
   
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