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14/03/2010
Uma legenda
Por Marco Damiani, com foto de Ricardo Alves
Estamos em cima do telhado, unidos diante da sacadinha do casarão da rua Caetés; a turma da OBORÉ, afinal, nunca foi de subir no muro.Quase trinta anos depois, a foto feita pelo Ricardo Alves mostra só gente feliz. O Sergio Gomes está visivelmente orgulhoso. A Nanci Moraes soma seu belo sorriso ao da Flávia Castro e Castro, bem ao lado da gargalhada sonora, grave, do grande Jaime Prades. O Aílton Krenak, que sempre andava de bom humor, manteve-se ali o mesmo de sempre. Gênio, o Laerte Coutinho parece ser o cara que mais se diverte com a situação. Era ele quem sempre divertia a gente. O Ricardo Paoletti, que carregava pesados pianos na redação, igualmente relaxou naquele instante, próximo ao meu brother Reinaldo Belintani, artista gráfico de talento e concentração, firme ao esticar a nossa faixa. Eu tô ali, entre a super secretária Lilica e a dona Carmen, mirando El Che na camiseta do nosso Vitor. E tem, depois do índio Krenak, o Glauco...
O Glauco está ali na dele, porque era mesmo assim que ele era. Se ele parece o mais sério de todos, isso é só impressão. No segundo seguinte ao clique eternizante, o Glauquito, como a gente muitas vezes o chamava, já estava sorrindo. Ele era capaz, com a cara mais séria do mundo, de fazer você rolar de rir pela ironia com que encarava a vida, o cinismo com que enfrentava os poderosos – e não se tem aqui uma frase feita, porque na OBORÉ a gente só remava na mão contrária, ao lado dos sindicatos de trabalhadores, contra o patronato atrasado e os políticos que não queriam a democracia (virada de 1981 para 1982, governos Figueiredo em Brasília, Maluf em São Paulo, Erasmo Dias na Secretaria de Segurança etc) --, e também pela sofisticação com que superava os desafios de fazer o humor engajado, a serviço dos interesses da peãozada. Te olhava no olhos, falava sério e saia rindo. De você, dele, de tudo. Era vê-lo no corredor para saber que, na cruzada, algum sarro ele iria tirar.
O Glauco costumava trabalhar em silêncio, formando dupla com o Jaimito, com o Laertin, criando cartazes, desenhando tiras, inventando personagens que aliviavam o dia a dia massacrante que os trabalhadores enfrentavam nas fábricas. E que os faziam rir da brutalidade alheia. Era um demolidor de chefetes, que no seu traço assumiam todo o ridículo dos que só sabem ser fortes sobre os humildes. Entendam: a OBORÉ fazia, exclusivamente, jornais sindicais. Para metalúrgicos, gráficos, eletricitários, químicos, aeronautas, telefônicos e outras categorias. E o Glauco era dessa turma, engajado ao seu modo, colocando a arte pura que criava a serviço das melhores condições de trabalho, das liberdades, da revolução. Sim, da democrática revolução que o povo brasileiro conseguiu fazer sobre a maldita ditadura militar. Nos anos seguintes, esse mesmo engajamento fez do Glauco um dos maiores comentaristas políticos, pelo traço, do seu tempo. A repercussão da sua morte mostra quanta gente ele soube sensibilizar.
Me perguntaram se conheci o Glauco na Folha. Não. Foi muito antes. Foi na OBORÉ – e eu sempre gostei muito desse cara absolutamente especial. Fica em paz, meu!
Marco Damiani
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