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  Audálio Dantas renuncia e Conselho Consultivo pede demissão coletiva

  18/12/2008

Nesta quarta-feira, Audálio Dantas renunciou aos cargos de vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e de presidente da representação da entidade em São Paulo por discordar da atual gestão.

Na carta, Audálio enumera várias arbitrariedades conduzidas por seu presidente, Maurício Azêdo. Segundo diz o texto, “nas mãos do atual presidente, o estatuto da ABI é letra morta. As decisões de maior relevância são tomadas sem o conhecimento da diretoria, mesmo porque não são realizadas as reuniões quinzenais determinadas pelo estatuto”.

Audálio menciona ao longo da carta casos de mandos e desmandos, além do recorrente desrespeito da atual gestão. Jornalista e escritor, Audálio já passou ao longo de sua carreira pelas revistas O Cruzeiro, Quatro Rodas, Realidade, Manchete e Nova. Teve atuação destacada no sindicalismo e na política, durante o regime militar e como presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, comandou os protestos pelo assassinato de Vladimir Herzog. Na vice-presidência da ABI e na presidência da representação da entidade em São Paulo acreditou que iria contribuir com a trajetória de luta da associação.

“Chegou, porém, o momento em que continuar é impossível. Convidado a participar da diretoria da Casa, num momento em que, esperava-se, ela poderia ser fortalecida para retomar a sua quase secular trajetória de luta democrática, aceitei o encargo com a mesma disposição com que participei dessa mesma luta, em outras frentes. Minha história é conhecida. Jamais me calei na luta contra a injustiça e o arbítrio. Não tenho o direito de silenciar diante do autoritarismo que hoje domina a ABI. Espero que a minha renúncia, em caráter irrevogável, possa contribuir para que diretores, conselheiros e associados da mais importante instituição de imprensa do País reflitam e tomem decisões que a reconduzam ao seu destino histórico, que é o da defesa da liberdade.” Assim termina a carta de renúncia de Audálio Dantas.

A notícia gerou reação imediata do Conselho Consultivo da ABI, representação São Paulo. Em solidariedade, Alberto Dines, Carlos Marchi, Eduardo Ribeiro, Egydio Coelho da Silva, Gioconda Bordon, José Marques de Melo, Laurindo Leal Filho, Leandro Buarque, Manuel Carlos Chaparro, Ricardo Viveiros e Sergio Gomes redigiram uma carta ao Conselho Deliberativo da associação com “pedido de irrevogável renúncia coletiva”. O documento, assinado por todos os membros do Conselho, seria encaminhado nesta quinta-feira.

Com a saída de Dantas, cabe ao Conselho Deliberativo da ABI nacional a indicação de um diretor para ocupar a vice-presidência.

Abaixo, a carta-renúncia de Audálio Dantas.

Ao
Jornalista Maurício Azedo
Presidente da ABI
c.c. Jornalista Pery de Araújo Cotta
       Presidente do Conselho Deliberativo da ABI
     - Membros da Diretoria
     - Membros do Conselho Deliberativo
     - Membros do Conselho Consultivo
     - Membros do Conselho Fiscal
     - Membros do Conselho Consultivo da Representação em São Paulo.

 
Companheiros,

Profundas divergências em relação aos métodos empregados na administração da Associação Brasileira de Imprensa, hoje quase totalmente submetida à vontade de seu presidente, levam-me a apresentar minha renúncia aos cargos de vice-presidente da entidade e de presidente de sua Representação em São Paulo.

Essa decisão, tomada depois de várias discussões no âmbito do Conselho Consultivo da Representação, deve-se à constatação de que o projeto que tínhamos o propósito de realizar para fortalecer a presença da ABI em São Paulo tornou-se inviável, não só pela inoperância da máquina burocrática instalada no Rio de Janeiro, mas principalmente pela absurda concentração das decisões nas mãos do presidente da Casa e  de seus prepostos, alguns dos quais sequer são funcionários da entidade.

Os problemas decorrentes dessa situação vêm comprometendo gravemente o funcionamento da entidade, causando-lhe prejuízos de toda ordem. O mais grave, porém, é que, submetida ao autoritarismo do atual presidente, a ABI está jogando no lixo toda uma história de lutas que a transformaram numa trincheira da democracia liberdade de informação e expressão e da defesa das grandes causas nacionais.

O passado construído por figuras da dimensão de Barbosa Lima Sobrinho, Herbert Moses e Prudente de Moraes, neto, hoje serve apenas como tema de discursos empolados que ocultam a verdadeira situação da ABI.

Enquanto se repete o discurso libertário, em ocasiões festivas como as que ocorreram durante as comemorações do centenário da ABI, pratica-se internamente toda sorte de arbitrariedades. Nas mãos do atual presidente, o estatuto da ABI é letra morta. As decisões de maior relevância são tomadas sem o conhecimento da diretoria, mesmo porque não são realizadas as reuniões quinzenais determinadas pelo estatuto. São tomadas, também, decisões absurdas. Recentemente, a logomarca da ABI foi inserida em informe publicitário de entidades que congregam hotéis, restaurantes, bares e similares, entre as quais a Apam – Associação Paulista de Motéis –, condenando um projeto de lei que restringe  os “direitos dos fumantes” em locais públicos. No caso, juntamente com tais entidades, a ABI se manifesta “pela liberdade de escolha”.
 
O Conselho Deliberativo, órgão superior da administração da ABI, ao qual cabe discutir e aprovar as propostas do colegiado diretivo, foi praticamente  transformado em instrumento homologatório das decisões tomadas pessoalmente pelo presidente da ABI.

As reações a essa situação absurda são respondidas, em várias ocasiões, por discursos agressivos e desrespeitosos pelo presidente. Conselheiros ou diretores que ousam contrariá-lo são tratados como inimigos e, muitas vezes, destratados, como ocorreu recentemente, quando a um deles foi dito, aos gritos, que “não significa nada, não representa nada”.

Foram atitudes como esta que levaram a que nada menos de cinco diretores tenham renunciado a seus cargos, como foi o caso da diretora administrativa Ana Maria Costabile. Um funcionário admitido pela Presidência com poderes de interventor, ofendeu-a com palavras de baixo calão, diante de todo o pessoal da Secretaria, chegando a ameaçá-la de agressão física. O caso terminou numa delegacia de polícia.

As manifestações escritas, mesmo quando assumidas coletivamente, têm sido simplesmente ignoradas. Foi o caso do documento assinado por oito dos onze membros (três não estiveram presentes à reunião que discutiu e aprovou o texto) do Conselho Consultivo da Representação de São Paulo, contendo críticas à presidência da Casa, em virtude de decisões tomadas a respeito do 1º Salão Nacional do Jornalista Escritor, em novembro do ano passado. Além de críticas, o documento propunha medidas como uma forte campanha de filiação à ABI no estado de São Paulo, com a aplicação de parte dos recursos financeiros obtidos pela Representação para a realização do evento. Não era a primeira vez que se tentava encontrar os meios necessários para a consolidação da Representação, tornando-a capaz não apenas de atrair mais associados, mas de obter os recursos suficientes para sua manutenção, sem depender de aportes da sede. Mas a proposta caiu no vazio, como muitas outras.

Levado a reunião do Conselho Deliberativo pelo presidente da ABI, o documento foi interpretado  como manifesto “subversivo”, tentativa “separatista” da Representação de São Paulo. Numa atitude de total desrespeito aos integrantes do Conselho Consultivo da Representação, ele nunca foi respondido. Esse conselho, é importante frisar, é composto por figuras da mais alta representatividade de diversas áreas do Jornalismo em São Paulo, além de representantes dos estudantes, professores e dirigente de associação de jornais.

Da mesma maneira não obteve resposta o documento que eu, na condição de vice-presidente da Casa, enviei ao Conselho Deliberativo em 17 de abril deste ano, a respeito do processo eleitoral para renovação do terço de integrantes deste órgão. O documento contém a grave afirmação, nunca contestada, de que a eleição foi fraudada, uma vez que não foram respeitados prazos, constituição da comissão eleitoral, inscrição de chapas e outras exigências do Regulamento Eleitoral.
 
A discussão sobre o atropelamento do processo eleitoral pelo presidente da ABI, na reunião ordinária do Conselho Deliberativo, no dia 15 de abril, teve desfecho trágico: o conselheiro Arthur Cantalice, que usava da palavra para criticar os métodos postos em prática pela direção da Casa para a realização da eleição, caiu fulminado por um ataque cardíaco. Pouco se falou sobre esse lamentável fato. E nada se disse sobre o documento por mim apresentado dois dias depois, na continuação da reunião do Conselho. Na verdade, tentou-se escamotear a sua existência. O documento só foi lido quando um grupo de conselheiros se levantou e exigiu que isso fosse feito.

Em sua conclusão, o texto resume a própria situação da ABI: “Tudo isso (a série de desmandos) constitui desrespeito não apenas a um regulamento, mas à entidade que, em cem anos de história, contribuiu de maneira marcante para a defesa da democracia, da liberdade de expressão e defesa dos direitos dos cidadãos. E acrescenta que  é uma contradição que, “enquanto vários setores da sociedade que reconhecem na ABI uma trincheira da  de democracia, um bastião da liberdade, lhe prestam grandes homenagens, estejamos nós, seus diretores, a discutir uma questão como esta do atropelamento de um processo eleitoral”.
 
Seria exaustivo citar outros exemplos de autoritarismo e desrespeito à própria história da ABI. Mas o fato é que eles, hoje, fazem parte do cotidiano da entidade. Convivi com essa situação, obviamente dela discordando, até o limite da tolerância, atendendo a ponderações de companheiros da diretoria e do Conselho Deliberativo. Minha renúncia, diziam, prejudicaria a imagem da ABI, que estava para comemorar o seu centenário.

Chegou, porém, o momento em que continuar é impossível.
 
Convidado a participar da diretoria da Casa, num momento em que, esperava-se, ela poderia ser fortalecida para retomar a sua quase secular trajetória de luta democrática, aceitei o encargo com a mesma disposição com que participei dessa mesma luta, em outras frentes.

Minha história é conhecida. Jamais me calei na luta contra a injustiça e o arbítrio.

Não tenho o direito de silenciar diante do autoritarismo que hoje domina a ABI. Espero que a minha renúncia, em caráter irrevogável, possa contribuir para que diretores, conselheiros e associados da mais importante instituição de imprensa do País reflitam e tomem decisões que a reconduzam ao seu destino histórico, que é o da defesa da liberdade.

            
                                                          
São Paulo, 15 de dezembro de 2008.
 Audálio Dantas

 
 
 
   
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