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  Declaração completa 60 anos com desafios a serem vencidos

  08/12/2008

Ela nasceu como um ideal comum a ser atingido por todos os povos e nações. Num mundo pós-guerra, ainda assustado com as atrocidades do Holocausto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos era a esperança de momentos melhores e garantia de dignidade. Foi o primeiro documento global a firmar um compromisso solene entre dezenas de nações em busca da igualdade e do respeito. Ela acabou se tornando a base de proteção às liberdades individuais e ainda hoje é utilizada como instrumento – por membros da sociedade civil e organizações diversas – de reivindicação de direitos.

Este ano, ela comemora 60 anos, mas ainda hoje, muitos direitos são violados e vários desafios estão postos para os próximos anos. Conversamos sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos com Giancalo Summa, diretor do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil. Ele acredita que a garantia de uma moradia digna, com empregos e salários decentes para a população seja o principal desafio de todos os países para o ano que vem, já que o mundo vive o início de uma grande crise financeira.

OBORÉ – Em que contexto surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o que ela representava naquela época?
Giancarlo Summa – A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi votada e aprovada em 10 de dezembro de 1948, em Paris. Esse é o segundo grande documento das Nações Unidas – o primeiro documento fundamental é a Carta às Nações Unidas, aprovada em 1945, data da própria criação da organização. Então, três anos depois, veio a Declaração Universal que é um dos documentos mais emblemáticos da humanidade. Nesses 60 anos, a Declaração já foi traduzida para mais de 300 idiomas pelo mundo e acabou tendo vida própria.

Ela foi pensada no contexto do pós-guerra, ou seja, após a 2º Guerra Mundial. No mesmo esforço que levou à criação das Nações Unidas, ou seja, um sistema de relações internacionais e de direitos compartilhados que impedisse a repetição da maior tragédia que já aconteceu na história humana: a 2ª Guerra Mundial e nela, o Holocausto, com a eliminação de mais de seis milhões de pessoas pelo o que elas eram – judeus, ciganos, homossexuais, comunistas, opositores ao regime.

Então, a Declaração nasce com esse espírito de formular os princípios de base a partir dos quais toda a atividade da ONU deveria se embasar e que todos os países deveriam seguir. Princípios de igualdade, de respeito e paz. Nascia ali uma série de princípios que deveriam gerar novas Constituições e que também serviriam de base para julgar as ações dos governos.

OBORÉ – O que mudou após a Declaração?
Giancarlo Summa – Essa é uma história dinâmica, que começou há 60 anos, mas que continua avançando. Em primeiro lugar, a Declaração tem um valor moral de afirmação de princípios que sejam para todos. Essa é a primeira vez na história que se cria um documento como esse, de abrangência universal, um documento político. A declaração é universal e diz respeito a todos, sem distinção nenhuma de nacionalidade, religião, sexo, cor da pele, filosofia, opção política etc.

Então, ela vem a partir dessa concepção mais ampla de que temos direitos enquanto seres humanos e não apenas por sermos habitantes de determinados países ou adeptos de determinadas religiões, mas como seres humanos. Esse foi o primeiro grande impacto, pois virou uma referência a todos os movimentos de libertação, de independência, que queriam libertar seus países do jogo colonial. Em 1948, a Declaração foi votada por apenas 56 países, porque havia apenas 56 países-membros das Nações Unidas naquela época. Hoje, temos mais de 190. Naquela época, boa parte dos países da África ainda eram colônias francesas, inglesas... Então, todos esses movimentos de independência (tardia) foram gerados a partir da Declaração. Ela foi utilizada como instrumento desses movimentos.

Esse novo cenário, de países que já não são mais colônias, pois todos somos livres e temos direitos iguais, é conseqüência desse movimento pós-declaração, mas claro, essa não é a única conseqüência, apenas uma delas... A Declaração marcou a primeira vez em que os direitos e liberdades de todas as pessoas foram descritos em detalhe, além de reconhecer internacionalmente que os direitos humanos e as liberdades fundamentais são aplicáveis a todo ser humano, em cada canto do planeta.

OBORÉ – Sessenta anos depois, qual a importância desse documento?
Giancarlo Summa – Ela é um documento vivo, pois as entidades, organizações, a própria sociedade adotaram essa declaração e fizeram dela um instrumento poderoso para reivindicar seus direitos. Quando há direitos também significa que há deveres e, nesse caso, deveres do Estado. Então, ela virou um instrumento poderoso para cobrar que o Estado que faça o que lhe compete e então, transforme em prática seus deveres, como condições dignas de moradia, educação básica e assim por diante.

Nesse contexto, a Declaração se transformou num documento de referência para todos os movimentos de luta do mundo inteiro que estão empenhados em garantir que os direitos humanos sejam respeitados para todos. Esse é um trabalho árduo. Não podemos dizer que os direitos humanos são respeitados plenamente no mundo inteiro, mas essa é uma luta que apenas começou há 60 anos e que vai durar ainda por muito tempo.

OBORÉ – Quais os desafios que temos pela frente?
Giancarlo Summa – Temos situações muito pontuais em cada país. Mas no geral, o que podemos apontar como desafio para o ano que vem, será evitar que essa crise financeira que se abateu no mundo inteiro seja paga mais uma vez pelos mais pobres. Entre os direitos humanos fundamentais existem direitos econômicos e sociais, isso significa um emprego e um salário digno que permitam manter uma família. Então, temos que evitar que haja demissões em massa e que os governos ajudem apenas o sistema financeiro, esquecendo-se da população. Então, nosso esforço deve ser também para que os governos se ocupem de garantir as condições de vida dos trabalhadores de cada país. Esse eu acho que será o grande desafio para o ano que vem.

Além disso, temos o direito à informação, previsto no artigo 19 da Declaração. Nós sabemos que os meios de comunicação têm um papel fundamental para assegurar os direitos humanos, pois cabe a eles a fiscalização das ações do poder. É a mídia, normalmente, que denuncia irregularidades e violações. Então, essa ação permanente serve para tornar realidade os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma luta que deve ser vencida todos os dias.

OBORÉ – Falando no trabalho da comunicação, em outubro, o Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil homenageou cinco jornalistas vencedores do Prêmio Vladimir Herzog com um Troféu Especial. E agora em dezembro, a proposta era lançar um site que reunisse todo o material premiado pelo Vladimir Herzog desde sua criação. Como está o andamento disso? O site sairá?
Giancarlo Summa – O site vai sair sim. O acervo foi reunido e está sendo digitalizado. Ao mesmo tempo houve um atraso técnico na questão do site. Atrasos burocráticos relacionados a licitação. Isso nos fez atrasar o lançamento do site em algum tempo, mas o trabalho de catalogação, digitalização está todo sendo feito e em breve teremos este material pronto para disponibilizar a toda população que tiver interesse em acessar as matérias, fotos, áudios que foram agraciadas nesses 30 anos com o Prêmio Vladimir Herzog. Essa será uma contribuição duradoura a todos.

OBORÉ – Qual a idéia de vocês com essa iniciativa?
Giancarlo Summa – A idéia de criar tanto o prêmio especial, como o site está ligada ao artigo 19 da Declaração, como já comentei. Ele defende e prevê a liberdade de expressão. É a base teórica para garantir a base da liberdade de imprensa. A mídia, os jornalistas, o jornalismo de modo geral, tiveram sempre uma função muito especial na luta pela concretização pelos direitos humanos listados na Declaração Universal. Isso porque quando a imprensa faz seu dever acaba sendo o fiscalizador do poder e faz com que os direitos sejam respeitados. Quando há desrespeitos, eles são denunciados. Isso nos ajuda a garantir os direitos. No Brasil, a imprensa tem um papel importante na luta pela redemocratização do país. Por isso, esse prêmio é dedicado à memória de Vladimir Herzog, que pagou seu empenho, assim como tantos outros, com sua própria vida.

Então, essa é uma homenagem aos que lutaram e uma forma de criar um instrumento disponível a historiadores, jornalistas e demais interessados que queiram entender o que foi essa luta para garantir os direitos humanos no Brasil. Além disso, é um espaço de memória, pois sem memória, não há justiça. E sem justiça não temos como ter um futuro democrático no qual os direitos humanos sejam respeitados.
 
 
 
   
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