31/10/2007
Adão Paiani é o atual Ouvidor de Segurança do Rio Grande do Sul e coordenador adjunto do Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia. Tem para si a tarefa de institucionalizar a Ouvidoria na legislação estadual e aumentar o escopo de fiscalização, incorporando a supervisão do trabalho policial no campo. O Ouvidor falou também do desenvolvimento do Programa de Apoio Institucional das Ouvidorias de Polícia, em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos e a União Européia e da campanha radiofônica Conte para a Ouvidoria, nós contamos com você que será lançada no Plenarinho da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul no próximo dia 5 às 14h. O encontro deverá contar com os jornalistas Caco Barcellos e Vera Rotta, autoridades estaduais e federais, profissionais da comunicação e radialistas de todo o estado.
Saiba mais sobre o lançamento da campanha radiofônica no Rio Grande do Sul
OBORÉ - Quantos anos tem a Ouvidoria de Polícia do Rio Grande do Sul? Como ela foi criada?
A Ouvidoria existe no Rio Grande do Sul desde 1999, época do governo Olívio Dutra. Foi criada por um decreto que fundou a Ouvidoria mas também criou uma série de problemas por ser um decreto híbrido. Ao mesmo tempo que este decreto subordina a Ouvidoria de Polícia ao Gabinete do Governador, ele dá à Secretaria de Segurança o controle financeiro e administrativo da Ouvidoria. Isso cria uma dependência muito complicada da Secretaria de Segurança. Na realidade o Ouvidor-Geral, mesmo sendo subordinado à governadora, acaba dependendo da boa vontade do secretário de segurança, que é justamente aquele que tem suas atividades controladas - teoricamente - pela Ouvidoria. Isso nos cria dificuldades. Por exemplo, nos não temos um quadro próprio de pessoal, os nossos servidores são disponibilizados pela Secretaria. Hoje estamos buscando, em um primeiro momento, alterar esse decreto, corrigir as falhas desse texto tendo como base a Ouvidoria de Polícia de São Paulo. Buscamos formatar a Ouvidoria no Rio Grande do Sul nos moldes da versão paulista, com a questão do mandato do Ouvidor-Geral muito bem colocada, os compromissos do órgão gestor administrativo e financeiro também muito claros. Em primeiro lugar queremos um novo decreto, mas nossa luta aqui é para criar a Ouvidoria por lei e esse é um processo mais demorado. Vamos conseguir fazer a alteração do decreto agora, já existe o projeto da governadora do estado, decreto que iremos lutar para transformar em lei estadual.
OBORÉ - Como é atualmente escolhido o ouvidor? Como se deu sua nomeação?
O meu processo foi um pouco diferenciado. Eu sou o terceiro ouvidor. Para meus antecessores o procedimento comum era o secretário da segurança indicar ao governador que por sua vez fazia a nomeação, como disposto no decreto. No meu caso antes de haver a indicação do secretario eu tive uma grande movimentação de entidades como o Ordem dos Advogados do Brasil. Eu, como advogado, tive um apoio muito grande da OAB-RS até mesmo porque meus antecessores eram advindos do Ministério Público e a OAB achou que já era hora de um advogado assumir um campo de trabalho como esse. Além da OAB, diversos sindicatos de servidores da Secretaria como a Associação dos Oficiais da Brigada Militar –que é nossa Polícia Militar-, Associação dos Delegados de Polícia, sindicatos do Instituto Geral de Perícias que é um dos órgãos vinculados [à Secretaria] , sindicatos da Superintendência do Serviço Penitenciário, o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e Adolescente. Todos esses organismos fizeram documentos apoiando a indicação do meu nome e encaminharam para o secretário de segurança da época, que não é o atual. Então, o secretário, mediante os documentos que recebeu, fez a indicação e levou para a governadora. A governadora também, tendo em vista a indicação e os documentos dessas entidades, me nomeou. Eu assumi no final do mês de fevereiro e minha posse formal foi no dia 12 de março desse ano.
OBORÉ - O senhor tem dados a respeito do papel cumprido pela Ouvidoria de Polícia nos últimos anos?
Eu tenho um dado comparativo recente que diz respeito à atuação da Ouvidoria em 2006. Durante todo ano passado a Ouvidoria recebeu e encaminhou 152 denúncias relativas a servidores dos quatro órgão vinculados à Secretaria de Segurança. Aliás, aqui nós não somos ouvidoria de polícia, nós nos denominamos Ouvidoria Geral da Segurança Pública pois todos os quatro órgão vinculados à Secretaria fazem parte de nossa atuação: a Brigada Militar, a Policia Civil, o Instituto Geral de Perícia e a Superintendência dos Serviços Penitenciários. Do mês de março a junho desse ano nós recebemos e encaminhamos 192 denúncias. Em quatro meses superamos toda a atividade do ano passado. Isso é fruto de um trabalho de divulgação, buscamos resgatar a credibilidade e mostrar para a sociedade que existe uma Ouvidoria de Polícia pois a maioria das pessoas não sabia desse instrumento, apesar dele existir desde 1999. Esse número é uma boa medida do trabalho que estamos conseguindo fazer aqui, com um mínimo de recursos. Isso porque - muito embora a governadora do estado apóie a nossa iniciativa, ela tem buscado nos prestigiar - a estrutura do estado é muito pesada, difícil de movimentar e isso cria dificuldades. Principalmente no que diz respeito a pessoal e com relação até mesmo a coisas básicas como papel, toner... Mesmo isso temos dificuldade de conseguir. Mas temos tido, por parte da sociedade civil uma resposta muito boa. As pessoas cada vez mais têm procurado a Ouvidoria. Eu tenho viajado bastante pelo interior do estado, visitado as cidades pólo, conversado com as comunidades e mostrado a Ouvidoria, tenho conversado com organismos de direitos humanos, empresários, lideranças políticas das regiões para que as pessoas saibam que realmente existe a Ouvidoria e ela quer desenvolver um trabalho diferenciado. Queremos nos mostrar à sociedade e trabalhar em prol dela.
OBORÉ - Quantos funcionários atendem na ouvidoria?
Quando a ouvidoria foi criada em 1999, ela iniciou o trabalho com 24 servidores. No decorrer do governo do PT houve um processo acelerado de desmonte da estrutura operacional. Para ter uma idéia, quando eu iniciei o trabalho, contava com apenas uma servidora e uma estagiária em meio turno. A Ouvidoria na realidade não funcionava. Não há como atender um estado inteiro com a infra-estrutura dessa forma. Hoje eu conto com seis servidores, o número é insuficiente ainda mas a gente já conseguiu avançar um pouco.
OBORÉ - Gostaria de conversar um pouco a respeito da campanha federal de apóio às Ouvidorias de Polícia e em particular a campanha radiofônica que será lançada em Porto Alegre no dia 5 de novembro. Onde o senhor vê possibilidade de parcerias?
O rádio é um instrumento de comunicação importante por toda parte mas no Rio Grande do Sul a participação é ainda mais especial. Hoje temos um radialista [Gugu Streit] que tem um programa pela manhã em uma rádio muito popular que tem 70% da audiência. É um verdadeiro fenômeno de comunicação. Nas cidades do interior do estado as rádios também têm um papel muito importante. Vamos também buscar a colaboração dos radialistas das rádios comunitárias que são importantíssimas para nós. Precisamos contar com eles para fazer essa campanha que não envolve dinheiro chegar principalmente à população de situação econômica diferenciada. O mesmo vale para as rádios ligadas a sindicatos. Esse é o perfil de pessoas que estamos buscando trazer para participar e se engajar na campanha.
OBORÉ - O que o senhor espera do encontro marcado para o dia 5? Por que a presença do jornalista Caco Barcellos?
O Caco desde o começo nos apoiou. É um jornalista de renome nacional e internacional, gaúcho que conhece bem a nossa realidade e trabalha muito com questões de segurança e por isso estará presente conosco. A simples presença de um jornalista como o Caco Barcellos vai ser um grande incentivo e vai dar uma amplitude maior e uma grande inserção na mídia, que é um dos objetivos da campanha. A campanha vai se estender no tempo mas criar esse momento vai ser importante para que as pessoas saibam que a Ouvidoria, mediante as parcerias com a SEDH, está fazendo uma campanha. E que essa empreitada não depende de recursos do estado, que é um fator muito importante pois o Rio Grande do Sul está com grandes dificuldades financeiras e econômicas. Para nós vai ser muito importante, vamos trazer os radialistas de todo o interior do estado para ver essas figuras de ponta como o próprio Caco e o senador Sérgio Zambiasi que, antes de ser senador pelo RS fez toda sua vida no radio e era um radialista muito conhecido. Essas figuras serão o carro-chefe do lançamento, estamos apostando na presença deles.
OBORÉ - Qual a importância da autonomia e da independência para o trabalho das Ouvidorias de Polícia do país? Conte uma história em que esses valores se provaram fundamentais.
A autonomia e independência do ouvidor é fundamental para justificar o próprio funcionamento da Ouvidoria de Segurança. Eu vivenciei isso trinta dias depois da minha posse. Como eu te falei, cabe ao secretário de segurança assinar a indicação do ouvidor e encaminhar esse nome à governadora. O secretário da época era Ênio Bassi, um deputado federal muito conhecido no RS. Trinta dias depois da minha posse houve denúncias muito sérias dentro da Secretaria de Segurança que geraram, dentre outros motivos, a demissão do então secretário. A Ouvidoria de Segurança foi guindada para dentro desse processo muito complicado. Nós recebemos as denúncia e encaminhamos. Pedimos o afastamento de servidores que estavam na ante-sala do secretário de segurança, o chefe de gabinete do secretário de segurança, assessores diretos dele que estavam envolvidos com corrupção em um vínculo da secretaria de segurança e o jogo ilegal. Pedimos o afastamento e só tivemos condições de fazer isso com nossa autonomia e independência, que no nosso caso é uma independência mínima mas mesmo assim foi o que nos possibilitou agir com transparência nesse processo. Denunciamos o esquema de corrupção, pedimos o afastamento e cumprimos o nosso papel com equilíbrio. Se nos fossemos subordinados ao secretário de segurança, o trabalho não poderia ser feito, teríamos um comprometimento muito grande com a própria estrutura, independente de nossa posição pessoal. Esse é um exemplo de como é importante a Ouvidoria funcionar com orgão externo de controle e fiscalização da Secretaria de Segurança. No final os servidores acabaram sendo exonerados e todo aquele grupo saiu do governo. Foi um processo muito dramático, difícil. Para se ter uma idéia, como o esquema de corrupção envolvia servidores da Secretaria e da Polícia Civil e a Ouvidoria enfrentou problemas de segurança pessoal, minha e de meus assessores. Tivemos de passar um tempo com seguranças da Policia Militar, recebemos ameaças, foi muito complicado. Mas provou que a Ouvidoria tem que ter esse papel externo e tem que ter essa independência, esse distanciamento critico de forma que ouvidor não se iniba com a figura do secretário e faça o que tem que ser feito.
OBORÉ - E os conflitos da região rural? Como fazer para garantir os direitos do cidadão fora da metrópole?
A Ouvidoria de Segurança Pública está trazendo para sua responsabilidade a questão agrária. Hoje o Rio Grande do Sul é um dos estados que tem os conflitos agrários de forma mais acentuada. Temos quatro focos muito grandes de conflito espalhados pelo estado. Até hoje nenhum órgão do estado se preocupou em trabalhar especificamente na resolução pacífica desses conflitos. Nós temos aqui um Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra muito aguerrido - o MST nasceu no RS -, por outro lado temos uma classe de ruralista muito aguerrida e isso tem criado conflitos muito violentos. A Ouvidoria de Segurança já está atuando na prática nesses conflitos mas agora, por meio da alteração do decreto, nós estamos legitimando a Ouvidoria de Segurança como Ouvidoria Agrária também. Estamos atuando de forma negociativa. Queremos garantir a lei mas sempre com respeito aos direito individuais e coletivos da cidadania. Que todas a ações que eventualmente envolvam desocupação de áreas mediante ordem judicial, que normalmente são feitas pela Policia Militar, sejam feitas com respeito aos direitos humanos, utilizando-se da boa técnica policial. Nesse aspecto a Ouvidoria tem atuado de uma forma muito firme. Nesse momento temos três grandes marchas sendo feitas pelo estado, todas elas convergindo para uma fazenda que há muito tempo é foco de conflito de terra e que o MST exige a desapropriação. Existem interditos proibitórios impedindo que o MST chegue a essa área da Fazenda Guerra, no município de Coqueiros do Sul na região noroeste do estado. A Brigada Militar está com um grande efetivo acompanhando essa marcha e estamos acompanhando a Brigada, tendo certeza que, dentro da lei, vai ser permitido a liberdade de expressão e de trânsito dos sem-terra. Que vai se garantir que as atividades dos policiais sejam feitas sem causar nenhum tipo de dano, apenas no cumprimento da lei, sem agressão e sem violência contra uma população que já é fragilizada em todos os aspectos. Para isso nós vamos renomear nosso grupo como Ouvidoria Geral da Segurança Pública e dos Assuntos Agrários. Estamos apenas esperando a edição do decreto pois já temos disponíveis recursos federais do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Ouvidoria Agrária nacional. Assim vamos garantir mais estrutura, e também teremos mais trabalho.
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