30/11/2007
Marcelândia é uma cidade nova, pequena, rural e “na contramão do crescimento” que chega a galope ao norte do Mato Grosso, segundo quem mora lá. Só as madeireiras, na maioria ilegais, garantem alguma renda à cidade que, assim mesmo, passa por uma grave crise financeira.
Até Cuiabá são 720km que não podem ser transpostos qualquer dia. Nos domingos e feriados não entram nem saem ônibus da cidade, que fica ilhada no centro do país.
Dois moradores que trabalham na rádio comunitária Cidade FM, Dionísio e Tânia Oliveira, saíram cansados do serviço em Marcelândia às 18h do sábado dia 17 e foram para a rodoviária. Esperaram 3 horas em Nova Santa Helena para trocar de ônibus e pegaram mais 9 horas de estrada para chegar às 7h da manhã em Cuiabá. Às 11h, se registraram no hotel onde ficariam para participar do lançamento da campanha “Conte para a ouvidoria, nós contamos com você”.
Quando Dionísio e Tânia receberam o convite para participar do lançamento da campanha, eles aceitaram na hora.
Abuso policial é um conceito familiar à região de Marcelândia já que algumas remediações financeiras às autoridades são necessárias para que as madeireiras ilegais continuem funcionando. Há visitas regulares da PF de Cuiabá e da PM de Sinop para tanto.
Certa vez, Dionísio intercedeu em um caso de truculência policial. Um rapaz que foi à rádio comunitária de Dionísio para denunciar um caso de desonestidade policial sofreu voz de prisão quando dentro das dependências da rádio. O policial tentou tirá-lo dali para a delegacia mas Dionísio o impediu alegando que não havia flagrante nem mandato: “Policia tem que existir para proteger a população, não para agredi-la com arbitrariedades. Ele estava apenas denunciando uma suspeita, é o direito dele”.
A rádio conhece sua dose de problemas legais; faz apenas 5 anos ela foi fechada a mando da Anatel. Hoje opera legalmente.
A atividade de capacitação à qual Dionísio compareceu em Cuiabá reuniu 20 radialistas de todo Mato Grosso na Sala Multiuso da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública. Eles passaram o dia 19 de novembro conversando com o Ouvidor de Polícia do Estado, Auremácio José Tenório de Carvalho; professores universitários e jornalistas para entender os caminhos da denúncia de abuso policial e transmitir essas informações aos ouvintes.
O lançamento da campanha radiofônica motivou o encontro. Duas cartas faladas e onze spots foram produzidos pela OBORÉ para o Mato Grosso a pedido da Secretaria Especial de Direitos Humanos e da União Européia como parte do Programa Institucional de Apoio à Ouvidoria de Polícia e Policiamento Comunitário.
Também estiveram presentes para o lançamento o representante da União Européia para o programa, Jean François Olivier, a diretora nacional adjunta do programa na Secretária Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Daniela Corrêa de Sequeira, o professor de Rádio e TV da UniRondon, Yuri Kopcak e os jornalistas da Oboré, Sérgio Gomes e Ana Luiza Zaniboni.
“Nós voltamos para a rádio e já colocamos os spots no ar com explicações sobre o caminho que deve ser feito para garantir os direitos da população. O principal mérito desse encontro foi esclarecer para nós como é o procedimento correto. As coisas ficaram mais claras. Nós já conversamos com o sargento de polícia aqui da cidade, numa boa, para explicar, também pra ele, a campanha” disse Dionísio. O radialista teve ainda mais problemas para voltar ao norte do Estado pois esquecera que terça-feira era feriado, Dia da Consciência Negra e a cidade estava novamente isolada. “Tive de esperar e depois ainda tomar transporte particular. Mas realmente compensou a ida para Cuiabá, o aproveitamento foi de 100%”
O lançamento da campanha “Conte para a Ouvidoria, nós contamos com você” no Mato Grosso foi a última desse ano. Está planejado para 2008 a organização de eventos similares na Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco e Santa Catarina. |