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Carta a David Capistrano

Marcelo Mário de Melo*



Meu amigo Jansem (*) digo
que não estou satisfeito.
Depois que escrevi em prosa
pensei: não está direito
fazer isto com o poeta
amigo e grande sujeito.


Por isto que agora andejo
nos galopes da poesia
mantendo firmes as rédeas
sem freios na fantasia
divisando abismo e ponte
sem confundir noite e dia.


Queria neste momento
imprimir neste papel
o tamanho da amizade
Que sente aqui Radiel.
Mas o tempo é como pedra
de sal num favo de mel.


Falo do tempo medido
das horas cronometradas
das mil coisas comezinhas
que deixam fragmentadas
as ondas da emoção
que devem ser desatadas.


Mas a vida segue assim
é temos que navegar.
Obrigação de poeta
é voar sem decolar
e virar pelo avesso
coisa regulamentar.


E é no mar dessas coisas
que o assunto se acha
se fabrica o pão-poesia
(às vezes só dá bolacha)
se relembra se anuncia
se alisa e se escracha.


Mas estou falando muito
somente na introdução
dando argumento a sulista
sobre a nossa região
dizer que o nordestino
é um bicho falastrão.


E no final destas contas
sou Melo Marcelo e Mário
e estou querendo somente
sem puxar todo o rosário
mandar pro amigo Jansem
uns versos de aniversário.


Se isto eu consegui
já desafoguei o peito
já entrei na rua larga
já saí do beco estreito:
o rio que estava em represa
corre bem solto no leito.


PS:

Botar PS em poesia
reclamam muitos sujeitos.
Mas eu escrevo PS
pra todos fins e efeitos
porque carta sem PS
é como mulher sem peitos.


Diz o dito popular
aqui ali e em Genebra
que David venceu Golias
(me faltou a rima em ebra)
e também é bom lembrar
que vaso ruim não se quebra.


(07.07.82)

(*) Nome utilizado por David na correspondência clandestina comigo, que me assinava Radiel. Tratam-se de nomes reais de dois poetas paraibanos da década de 30.



*Marcelo Mário de Melo é poeta